terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Dúvida Registral- Hipotecas- Graduação



Processo: 201300509658
Natureza: Suscitação de Dúvida
Suscitante: Oficiala do Cartório de Registro de Imóveis de Quirinópolis
Suscitado: Agrocria Comercio e Industria Ltda



Meritíssima Juíza,

Cuida-se de procedimento de Suscitação de Dúvida proposto pela Oficiala, Cartório de Registro de Imóveis de Quirinópolis, Lilian Xavier Rodrigues, com fundamento no art. 198 da Lei n. 6.015/73, visando dirimir dúvida acerca dos registros dos títulos de créditos que lhe foram apresentados pela suscitada.
Aduz o suscitante que, em 22/08/2013, a suscitada requereu o registro de uma Cédula de Produto Rural emitida por Flaider Eugusto Piaia, tendo como co-emitente Valeria Regina Machado Domingos, tendo como garantia cedularmente constituída o imóvel urbano de propriedade do emitente.
 Ocorre, que referido imóvel também foi ofertado em garantia hipotecária à empresa Agrotec Comercio e Representações Ltda, cujo título fora emitido em 17/09/2013.
Argumenta, contudo, que foram apresentados para registro primeiramente o título de crédito da suscitante, e somente em 19/09/2013 houve o registro do título constituído anteriormente, apresentado pela empresa Agrotec.
Defende a suscitante ter observado rigorosamente o procedimento estatuído no artigo 189 da Lei de Registros Públicos, porquanto a CPR que lhe fora apresentada para registro pelo suscitado constava a informação de constituição hipotecária anterior, razão pela qual procedeu a prenotação do título e aguardou o transcurso do prazo e trinta dias para que os interessados na primeira hipoteca promovessem sua inscrição, o que, de fato, ocorreu.
No entanto, o suscitado, considerando que seu título fora emitido anteriormente àquele outro de terceiro (agrotec) requereu à suscitante fosse invertida as prioridades ocorridas nos respectivos registros R-5 e R-6 da matrícula do imóvel gravado com os ônus hipotecários.
   Diante da negativa da oficiala em atender o requerimento, promoveu-se, por provocação do interessado, a presente dúvida.
O suscitado, em impugnação de fls. 10/12, reclama a não observação pelo CRI do princípio da prioridade, consagrado pela ordem cronológica das permutações, sustentando que a CPR apresentada para registro apenas fez menção que se tratava de hipoteca de segundo grau, sem declarar expressamente a existência de hipoteca anterior.
Assevera, por fim, que a menção de grau no documento é construção doutrinária e se mostra irrelevante para a ordem do registro, devendo ser corrigida a inversão dos registros.
Junta documentos de fls. 14/22.
Breve relato, o Ministério Público emite o parecer seguinte.
Em linhas gerais, possui o procedimento de suscitação de dúvida natureza eminentemente administrativa. Malgrado culmine o rito procedimental com a declaração de procedência ou de improcedência, cediço não possuir natureza de processo judicial.
Ademais, o procedimento é originado em Cartório e enviado ao Juízo competente após solicitação do requerente, de forma que o magistrado atua como órgão administrativo hierarquicamente superior (corregedor). Neste aspecto, não possui o Oficial interesse na contenda, ao contrário, apenas cumpre determinação legal, inclusive, em favor do próprio apresentante.
Acrescenta-se que, no âmbito da dúvida registrária, procedimento de rito sumaríssimo, cinge-se o objeto à análise de suposta regularidade do ato a ser praticado pelo notário, portanto, análise a priori de procedimento futuro.
Impende ressaltar, portanto, que a dúvida, procedimento especial de jurisdição voluntária de natureza administrativa, não se presta para o deslinde de questões de alta indagação uma vez adstrita sua finalidade à perquirição das formalidades extrínsecas do documento e,  constatada a existência de possíveis defeitos jurídicos a impedir o registro, inescusável a suscitação de dúvida por parte do registrador, não satisfeita a exigência, a requerimento do apresentante do título a fim de que submissa a matéria ao crivo da autoridade judiciária, a esta incumbe prover a solução cabível. (art. 198 da L.R.P).
De outro giro, consabido que o interesse do notário advém das próprias atribuições inerentes ao seu cargo, haja vista serem regidos os atos notariais pelo princípio da veracidade registral, sob pena de responsabilização cível e criminal.
Assim pontuado, importa analisar se o procedimento adotado pela oficiala suscitante no que tange a ordem cronológica dos registros efetivados seguiu os ditames legais, sem ferir o princípio da prioridade.
É certo que a legislação permite que um mesmo imóvel seja dado em garantia de mais de uma dívida, desde que com outro título constitutivo. Pode ser em favor do mesmo credor ou de outro credor (artigo 1.476 do Código Civil). É possível, portanto, que o mesmo imóvel seja gravado com várias hipotecas. Quando existe mais de uma hipoteca formam-se graus diferentes. A primeira hipoteca será de primeiro grau, depois a outra de segundo grau e assim por diante. Mesmo havendo muitos credores cada um gozará do direito de preferência de acordo com o seu grau de hipoteca.
Impera observar que o devedor, quando for constituir nova hipoteca sobre o mesmo imóvel, deve mencionar a existência da hipoteca anterior sob pena de cometer crime de estelionato (artigo 171 §2º, II do Código Penal).
Ademais, quando a escritura de segunda hipoteca ou outro grau for levada a registro, e a escritura de grau inferior ainda não foi registrada, o oficial de Registro de Imóveis deve prenotá-la e sobrestar seu registro por 30 dias aguardando que o credor anterior apresente seu título para registro. Esgotado este prazo sem que a escritura de primeiro grau seja apresentada, a segunda será registrada e terá preferência sobre a primeira, conforme norma do artigo 189 da lei 6.015/73.
Verifica-se, desta forma, que a suscitante seguiu o procedimento imposto pela legislação, uma vez que, ao constatar que CPR apresentada pelo suscitado indicava ser hipoteca de segundo grau, efetivou a prenotação do título e sobrestou o procedimento pelo prazo de trinta dias para que o interessado da hipoteca de primeiro grau procedesse a sua inscrição.
O princípio da prioridade invocado pelo suscitante está patenteado no artigo 182 da LRP e objetiva impedir que a função registral se verifique de forma aleatória, devendo o registrador observar rigorosamente a cronologia na ordem de apresentação do título, pois o número do protocolo é o indicador da preferência do direito tutelado.
Deve ser observado nos casos de multiplicidade de títulos e direitos contraditórios, devendo ser registrado o que primeiramente foi apresentado, observando a preferência excludente, sendo o segundo título recusado por incompatibilidade com o primeiro. Havendo compatibilidade de igual natureza ou mesmo diversa, subsistirá o título que tiver sido registrado em primeiro lugar.
Não se aplica à hipótese suscitada, porquanto não há incompatibilidade entre os títulos, menos ainda compatibilidade de igual natureza, haja vista a questão da graduação hipotecária dos títulos emitidos.
Ademais, à hipótese está disciplinada nos artigos 188 e 189 da LRP.
Art. 188 - Protocolizado o título, proceder-se-á ao registro, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, salvo nos casos previstos nos artigos seguintes.
Art. 189 - Apresentado título de segunda hipoteca, com referência expressa à existência de outra anterior, o oficial, depois de prenotá-lo, aguardará durante 30 (trinta) dias que os interessados na primeira promovam a inscrição. Esgotado esse prazo, que correrá da data da prenotação, sem que seja apresentado o título anterior, o segundo será inscrito e obterá preferência sobre aquele.

                       
Enfrentando o tema, Ceneviva[1]discorre:

Esse dispositivo configura hipótese de cotejo entre duas hipotecas. A lavrada em segundo lugar é apresentada primeiro a registro, trazendo menção expressa da que a antecedeu. A exceção aberta pelo artigo não diz respeito ao lançamento no protocolo, mas ao registro; altera a regra de preferência. O ônus hipotecário, que a segunda escritura menciona, impõe ao oficial que a sobreste no registro. Para tanto deve existir efetiva referencia, num titulo, de que a hipoteca anterior foi avençada, garantindo direito real sobre o mesmo imóvel alheio. A menção constante da escritura deve ser clara, porque nela se configura direito pessoal que adquire realidade quando transposta para o registro de imóvel. Indicada tal espécie de direito anterior, embora ainda de natureza pessoal, há repercussão na registrabilidade da segunda hipoteca, a ser vista restritivamente: o oficial não pode tirar inferência que não conste do próprio titulo e nele manifestada com clareza.

Por fim, o mencionado autor, esclarecendo sobre os efeitos produzidos caso ocorram as situações previstas no artigo 189, da LRP, assevera que não apresentado o titulo, no prazo legal, será feito o registro do segundo ônus, em primeiro lugar; mas, se porventura, o outro fora apresentado, ainda assim será possível o registro, mas em segundo lugar[2].
Isto posto, o Ministério Público do Estado de Goiás, manifesta-se no sentido de ser desacolhida a dúvida apresentada pela Oficiala, porquanto a mesma  observou de forma escorreita a legislação específica, devendo ser mantida todas as providencias adotadas pela diligente servidora.
Quirinopolis, 07 de janeiro de 2014.

Angela Acosta Giovanini de Moura
        - promotora de justiça-


[1] WALTER. Ceneviva. Lei dos Registros Públicos Comentada. 15º Ed. São Paulo:Saraiva, 2002, p.189.
[2] Ob cit. P. 385.

Parecer Ministerial em Mandado de Segurança- Servidor Público



Processo nº
Mandado de Segurança
Impetrante:
Impetrado:



Meritíssima Juíza,

XXXXXX, devidamente representado por seu procurador (fls. 14) impetra Mandado de Segurança contra ato ilegal perpetrado pelo Prefeito Municipal de Quirinópolis, XXXXX.
Assevera ter ingressado nos quadros do município de Quirinópolis por meio de concurso público para exercer o cargo de motorista (fls. 17), tendo ocupado, durante o período de julho de 2012 a janeiro de 2013, a função de motorista de ambulância, lotado na unidade do SAMU.
Informa que no início deste ano, tão logo houvera a alternância no poder executivo por força de eleição municipal, fora suspenso de sua função, por ato do impetrado, e, posteriormente, convocado para ocupar o cargo de motorista na Secretaria de Urbanismo e Obras Públicas, conforme Portaria SRH 157/2013, fls. 21.
Defende, por fim, ter direito líquido e certo de permanecer lotado na unidade local do SAMU, pois sua remoção para a Secretaria de Urbanismo fora desmotivada, revestindo-se o ato administrativo respectivo de arbitrariedade.
À inicial, foram acostados os documentos de fls. 13/35.
Negada liminar rogada (fls. 36/38).
Notificada, a autoridade coatora apresentou informações às fls. 42/47, arguindo preliminar de mérito, pontuando que a indicação da municipalidade para figurar no polo passivo do mandado de segurança é errônea e permite a extinção do processo sem julgamento de mérito.
No mérito, sustenta o impetrado que o ato colimado de ilegal se alicerça nos princípios da conveniência e necessidade do serviço público municipal.
Junta documentos de fls. 49/60.
Breve relato, o Ministério Público do Estado de Goiás, como custus legis, emite o parecer que segue.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXIX, determina a concessão de mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
O mandado de segurança está regulado pela a Lei nº. 12.016, de 7 de agosto de 2009, tendo o legislador propiciado a interpretação de que teria capacidade de ser parte o agente público ou autoridade que tenha praticado o ato impugnado ou do qual emane a ordem para sua prática. Todavia, é comum, embora errônea, a indicação para o polo passivo da ação de pessoa jurídica de direito público como autoridade coatora.
Frisa-se, no entanto, com o fito de se conferir instrumentalidade e celeridade processual ao processo e mitigar os efeitos de uma errônea indicação da autoridade, há decisões, que, considerando o caso concreto, determinaram emenda da inicial e até a chamada do agente coator. Mas a construção jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça[1], que, no mesmo espírito, consagrou-se pacífica, é a da "teoria da encampação".
Esta teoria afirma que a autoridade hierarquicamente superior, apontada como coatora nos autos de mandado de segurança, que defende o mérito do ato impugnado ao prestar informações, torna-se legitimada para figurar no polo passivo do writ.
 A Teoria da Encampação é fundamentada pelo princípio da economia processual, que preconiza o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.
Todavia,  a Primeira Seção do STJ, ao apreciar o MS n.º 10.484/DF[2], traçou os requisitos mínimos da teoria da encampação, que somente incide se: (a) houver vínculo hierárquico entre a autoridade erroneamente apontada e aquela que efetivamente praticou o ato ilegal; (b) a extensão da legitimidade não modificar regra constitucional de competência; (c) for razoável a dúvida quanto à legitimação passiva na impetração; e (d) houver a autoridade impetrada defendido a legalidade do ato impugnado, ingressando no mérito da ação de segurança.
À propósito:
PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – ERRÔNEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. 1. O juiz não pode, de ofício, corrigir a impetração, se for indicada, como coatora, autoridade que não deve figurar como impetrada, cabendo somente a extinção do processo (inúmeros precedentes). 2. Se a autoridade indicada erroneamente, mesmo tendo arguido a sua ilegitimidade, assumir a coatoria do ato e prestar informações, por economia processual, aplica-se a Teoria da Encampação, continuando-se com o writ. 3. Hipótese dos autos cujas circunstâncias autorizam aplicar a Teoria da Encampação. 4. Recurso especial improvido[3].

Destaca-se, neste prisma, que a finalidade precípua do mandado de segurança é proteção de direito líquido e certo, que se mostre configurado de plano, bem como da garantia individual perante o Estado, de forma que sua finalidade assume vital importância, o que significa dizer que as questões de forma não devem, em princípio, inviabilizar a questão de fundo gravitante sobre ato abusivo da autoridade. Consequentemente, no presente caso, a errônea indicação da autoridade coatora apresenta-se como erro escusável, prescindindo, inclusive, de emenda à inicial.
Vencida a preliminar apontada pelo impetrado, importa enfrentar o mérito, especialmente no que se refere a existência de direito líquido e certo do impetrante em permanecer lotado no SAMU, e se o ato administrativo que o removeu para a Secretaria de Urbanismo prescinde de motivação.
O impetrado ingressou nos quadros da administração pública municipal para exercer o cargo de motorista. Lotado, inicialmente, no SAMU, fora removido para a Secretaria de Urbanismo, exercendo o mesmo cargo de motorista para o qual fora concursado. O inconformismo do impetrante cinge-se a   falta de motivação do ato administrativo que o removeu.
Com efeito, para concessão da segurança reclamada, necessária a verificação de alguns pressupostos.
Imprescindível, por primeiro, que o direito subjetivo individual, cuja tutela é postulada, seja líquido e certo, isto é, aquele em que a incontestabilidade é evidenciada de plano.
Sobre o tema, acentua Meirelles[4]:
Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. (...) Se a sua existência for duvidosa, se a sua extensão ainda não estiver delimitada, se o seu exercício depender de situação e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.
Indispensável, em segundo lugar, que a lesão ou ameaça de lesão a esse direito decorra de uma ilegalidade ou abuso de poder.
Por fim, mister que a atuação ou omissão a ser enfrentada no mandamus seja de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Em análise do conjunto factual-probatório, objeto da insurgência, impende ressaltar que o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos do Município de Quirinópolis (Lei Complementar nº 10, de 09/11/2006), ao dispor sobre a Lotação e Remoção do funcionário prevê que:
Art. 44- Lotação é o local da unidade administrativa de designação do servidor para o exercício das suas atribuições, determinada por cada Poder.
Art. 45- Os servidores do Quadro Geral poderão ser removidos, a pedido ou de ofício, no interesse e necessidade de cada Poder, nos termos e estabelecidos na Lei Orgânica.

Da dicção do art. 45 da Lei Complementar nº 10, de 09/11/200610, extrai-se que a remoção do funcionário público municipal pela administração reveste-se de discricionariedade.
Cumpre mencionar que a remoção é ato discricionário da administração pública, que visa atender as necessidades e conveniências do serviço público, podendo o servidor ser removido a qualquer tempo, uma vez que não possui direito à inamovibilidade.
Ocorre que o agente público, ao praticar o ato discricionário, deve fundamentá-lo, ou seja, apresentar os motivos justificadores de sua prática, sob pena de o mesmo ser declarado nulo.
Verifica-se dos autos, que pela Portaria de nº 157/2013, as fls. 21, o prefeito municipal, no uso de suas atribuições legais removeu a impetrante para local de trabalho diverso daquele onde anteriormente trabalhava, sem qualquer motivação.
Ressalta-se, que embora a Portaria mencionada houvesse utilizado o termo LOTAR, a realidade fática denuncia verdadeira REMOÇÃO, uma vez que o impetrante já houvera sido nomeado em meados do ano de 2012, conforme documento de fls. 17, tendo exercido o cargo por mais de seis meses.
Ocorre, que o impetrado utilizou-se de expediente inexistente em orbita administrativa para mascarar a remoção, ou seja, suspendeu o ato anterior que nomeou o impetrante para, posteriormente, convocá-lo à assunção do cargo, sem declinar a motivação do ato.
Discorrendo sobre a motivação do ato administrativo Carvalho Filho esclarece que:
Embora possa haver certa semelhança com algumas dessas formas, com elas não se confundem a remoção e a redistribuição, que não são formas de provimento derivado por não ensejarem investidura em nenhum cargo. Em ambas há apenas o deslocamento do servidor: na remoção o servidor é apenas deslocado no âmbito do mesmo quadro e, na redistribuição, o deslocamento é efetuado para quadro diverso. Em qualquer caso, o servidor continua titularizado no seu cargo, o que não ocorre nas formas de provimento derivado. Neste ponto, é importante destacar que essas modalidades de deslocamento funcional podem esconder inaceitável arbítrio por parte do órgão administrativo, mediante flagrante ofensa ao princípio da impessoalidade. Para evitar esse tipo de desvio de finalidade, cabe ao administrador explicar, de forma clara, as razões de sua decisão relativamente a determinado servidor (motivação), permitindo seja exercido o controle de legalidade sobre a justificativa apresentada[5].

Neste aspecto, delineia Meirelles[6]:
Denomina-se motivação a exposição ou a indicação por escrito dos fatos e dos fundamentos jurídicos do ato (cf. Art. 50, caput, da Lei 9.784/99). … na atuação desvinculada ou na discricionária, o agente da Administração, ao praticar o ato, fica na obrigação de justificar a existência do motivo, sem o quê o ato será inválido ou, pelo menos, invalidável, por ausência de motivação.

Nessa linha de raciocínio, não obstante a discricionariedade do ato de remoção do servidor público, pois tal ato tem por finalidade atender as necessidades do serviço público, não está o administrador isento de apresentar os motivos que o justificam, tal qual prevê o artigo 45 do Estatuto do dos Servidores Públicos de Quirinópolis, sob pena de incorrer em desvio de finalidade.
Sobre a necessidade de motivação dos atos administrativos, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. [….]. 1.  O ato administrativo requer a observância, para sua validade, dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal, bem como daqueles previstos no caput do art. 2º da Lei 9.784/99, dentre os quais os da finalidade, razoabilidade, motivação, segurança jurídica e interesse público.2.A Lei 9.784/99 contempla, em seu art. 50, que os atos administrativos deverão ser motivados, com a indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, de forma explícita, clara e congruente, nas hipóteses de anulação, revogação, suspensão ou de sua convalidação (art. 50, VIII, e § 1º, da Lei 9.784/99[7].
Ainda, segue o STJ:
O princípio da motivação possui natureza garantidora quando os atos levados a efeito pela Administração Pública atingem a seara individual dos servidores. Assim, a remoção só pode ser efetuada se motivada em razão de interesse do serviço[8].[9]
Indubitavelmente, uma vez motivado o ato de remoção, o real interesse da administração pública haveria de prevalecer sobre a vontade do servidor em permanecer na unidade onde desempenhava as suas atribuições. No entanto, a ausência de motivação do ato reveste-se de abuso de por parte da autoridade administrativa que determinou tal remoção, tendo referido ato violado direito líquido e certo do impetrante.
Isto posto, o Ministério Público de Goiás opina pela concessão da segurança.
Quirinópolis, 29 de dezembro de 2013.

Angela Acosta Giovanini de Moura
           -promotora de justiça-




[1] STJ. Mandado de Segurança nº 11.727/DF. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 27.09.2006, DJ 30.10.06.
[2] SEGUNDA TURMA, REsp 1188779/MG, Rel.Min. Castro Meira, DJ de 16/02/2012.
[3] SEGUNDA TURMA, REsp 574981 / RJ; Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 25/02/2004.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, 13.ª Ed., Revista dos Tribunais, SP, 1991.


[5] CARVALHO FILHO, Jose dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 24ª ed., Editora Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2010, p. 565.

[6] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 27ª edição, 2002, Ed. Malheiros, p. 149
[7] STJ, Quinta Turma, RMS 29206/MG, Relator: Ministro Campos Marques, DJe 05/06/13.
[8] STJ, Quinta Turma, RMS 12.856/PB, Relator: Ministro Gilson Dipp, DJ de 01/07/2004.
[9] STJ, Quinta Turma, AgRg no RMS 18388/PB, Relatora: Ministra Laurita Vaz, DJe 12/02/07.

Ação Civil Pública - tempo de espera em fila de banco



EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA SEGUNDA VARA DA COMARCA DE QUIRINOPOLIS.







O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio da 2º Promotora de Justiça ao final subscrita, com fundamento no artigo 127, caput, c.c. o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, c.c. o artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Orgânica Federal nº 8.625/93, c.c. o artigo 103, inciso VIII, da Lei Orgânica Estadual nº 734/93, c.c. os artigos 5º, caput, e 12, da Lei Federal nº 7.347/85, sob o rito ordinário, previsto nos artigos 282 e seguintes, do Código de Processo Civil, vem propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
em face das instituições bancárias: BRADESCO S/A, instituição financeira privada, constituída sob a forma de sociedade anônima, inscrita no CNPJ 60.746.948.0001-12, , situado à Av. Brasil 168, Centro;  BANCO DO BRASIL S/A, instituição financeira de economia mista, constituída sob a forma de sociedade anônima, inscrita no CNPJ 00.000.000/4369-92, cuja agência encontra-se situada na Av. Brasil n. 170; BANCO ITAU S/A, instituição financeira privada, constituída sob a forma de sociedade anônima, inscrita no CNPJ nº 60.701.190/0001-04,  cuja agência encontra-se situada na Av. Brasil n. 146; BANCO SICREDI S/A, instituição financeira privada, constituída sob a forma de sociedade anônima, inscrita no CNPJ 01.181.521/0001-55, cuja agência encontra-se situada na Av. Joaquim Timóteo de Paula, 124 – Centro; e, BANCO SICOOB S/A, instituição financeira privada, constituída sob a forma de sociedade anônima, inscrita no CNPJ 04.310.638.0001-80, localizado na  Av. Joaquim Timóteo de Paula, 145, Centro pelos seguintes fatos e fundamentos:
DOS FATOS
Instaurou-se no âmbito da 2º promotoria de justiça de Quirinópolis, com atribuições para a matéria relativa ao consumidor, o procedimento administrativo nº 201300328990, para apurar denúncia de que agências bancárias de Quirinópolis, não vem cumprindo a Lei Municipal nº 2260, de 12/05/1999, que obriga as agências bancárias a efetuar o atendimento dos usuários em período máximo de até 15 minutos, em dias normais.
Requisitadas informações do Procon, órgão fiscalizador, restou apurado que várias agências bancárias do Município, vêm descumprindo a citada Lei Municipal, conforme notificação anexo ao procedimento.
O Oficial de Promotoria diligenciou em todas as agências bancárias para verificar o cumprimento da legislação, tendo constatado que somente as requeridas não cumprem a lei municipal.
Da leitura do referido relatório, nota-se que as requeridas excederam, por período considerável e inadmissível, o tempo de atendimento, sendo que em determinados dias, o tempo de espera chegou a astronômicos 60 (sessenta) minutos.
Conforme relatório apresentado pelo oficial de promotoria contatou-se o seguinte tempo de espera nas filas das requeridas, em dias normais de atendimento que deveria ser no máximo 15 minutos:
60 minutos, no Banco Bradesco (fls.21);
46 minutos, no Banco Sicredi (fls.32);
20 minutos, no Banco do Brasil (fls. 19)
40 minutos, no Banco Itaú;
Desta forma, ficou evidenciado pelos documentos que instruem o procedimento que, nas datas mencionadas, as requeridas demoraram a atender seus clientes e usuários, por período bem superior ao estabelecido na Lei Municipal, chegando ao absurdo de registrar uma hora de demora na fila, o que representa grave desrespeito aos consumidores e à população em geral.
Como já anotado, o artigo 2º, da Lei Municipal nº 2260/99, estipula, como tempo razoável para atendimento, o máximo de 15 (quinze) minutos, sob pena de constrangimento indevido do usuário.
Destarte, ainda que repetidas pesquisas, veiculadas pela mídia nacional, revelem o fato notório de que os bancos detêm os mais expressivos marcos de crescimento econômico (lucro líquido), sem que a crise que assola o país venha também a atingi-los, paradoxalmente não vem demonstrando preocupação em respeitar os direitos do consumidor.
Com efeito, basta adentrar qualquer agência bancária deste município para verificar que pequenas medidas já seriam suficientes para avançar significativamente na forma de prestação dos serviços bancários autorizados pelo Poder Público, poupando os consumidores (usuários, clientes ou não) de um modo geral de toda uma série de aborrecimentos e perda de tempo, provocados pelo mau gerenciamento das agências.
A formação de longas filas de usuários à espera de atendimento que, muito frequentemente, deve-se à falta de pessoal suficiente designado para prestá-lo, ou a criação de outro mecanismo que acabe com as longas filas de espera, chega a causar indignação na população local, sendo corriqueira, conforme é de conhecimento público, a prática das requeridas de desviar os bancários designados para o atendimento para a execução de outras funções administrativas, desfalcando, desta forma, a prestação do serviço de atendimento ao consumidor do número suficiente de funcionários para torná-lo rápido e eficiente.
Assim sendo, as agências não vem cumprindo a referida Lei Municipal, que se refere ao limite de atendimento destinado a cada cliente, desconsiderando os direitos mais basilares dos usuários e consumidores em geral.
Estes, em síntese necessária, são os fatos.
DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A ação civil pública surgiu em nosso ordenamento jurídico com o advento da Lei Federal 7.347, de 24 de julho de 1.985, destinada à reparação e proteção dos interesses difusos, assim compreendidos os metaindividuais, pertinentes a titulares não passíveis de determinação.
Posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal de 1.988, estendeu-se o cabimento da ação civil pública também para a tutela de interesses coletivos, que, igualmente, transindividuais, se distinguem daqueles já mencionados apenas em razão da possibilidade de identificação do grupo.
Na hipótese presente, a legitimação do Ministério Público decorre justamente no artigo 129, inciso III, da Lei Maior (são funções institucionais do Ministério Público: promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos).
Depois, com a edição do Código do Consumidor (Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1.990), o legislador desceu à conceituação:
“Artigo 81: Parágrafo único: A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”
Incumbe, também, ao Ministério Público, a legitimação para a defesa coletiva dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos do consumidor (artigo 82, inciso I, CDC).
Os traços comuns a ambas as categorias apontadas são a “transindividualidade” e a “indivisibilidade” dos interesses de que tratam.
Os interesses dos consumidores afetados pela demora no tempo de espera no Banco são difusos porque, não existe qualquer vínculo jurídico a ligar seus titulares entre si ou com a parte contrária, sendo, consequentemente, os titulares dos interesses difusos indetermináveis, estando unidos apenas por circunstâncias de fato (como a de consumirem o mesmo produto, habitarem a mesma região, participarem dos mesmos empreendimentos, etc.
Assim, a presente demanda visa a assegurar a proteção de direitos difusos de consumidores, que estão sofrendo com o tempo de espera na fila do Banco.Tais consumidores estão dispersos na sociedade, sendo, portanto, indetermináveis, e ligados por uma relação de fato, determinando que o interesse tratado é difuso.
DO DIREITO
A presente ação tem como objetivo a defesa do direito difuso do cidadão usuário, bem como dos consumidores em geral, fazendo com que as agências bancárias se adaptem às regras previstas na Lei Municipal nº 2260/99, que, em seu artigo 2º,  obriga as agências bancárias, no âmbito do município, a atender seus consumidores no prazo de 15 minutos, para que atendimento seja efetuado em tempo razoável, ou seja, em conformidade com a Lei, fazendo uso de sistema de senha, de modo a preservar a dignidade dos usuários.
No entanto, essa falta de adequação dos requeridos, no sentido de atender seus usuários dentro do prazo máximo de quinze (15) minutos, além de representar desrespeito à Lei Municipal, representa, também, total desrespeito ao sentimento de dignidade da comunidade (povo), trazendo a ela enormes prejuízos, tanto materiais como morais, tendo em vista a demora do atendimento.
As instituições bancárias, como é notório, auferem grandes lucros, principalmente pela política de juros altos instituídas pelo governo, razão pela qual as Agências Bancárias deveriam respeitar mais seus clientes, em consideração justamente ao grande lucro que deles retiram.
Ao disciplinar o tema, por meio da Lei Municipal nº 2260/99, impondo aos bancos o ônus de oferecer um serviço digno, com o objetivo de coibir filas intermináveis, determinando o tempo máximo de permanência dos cidadãos nas filas das agências bancárias, visou-se tão somente a diminuir o desconforto, o prejuízo e o constrangimento físico e emocional provocado pelas longas esperas.
Tal disciplinamento não implica em interferência no sistema financeiro, nem tão pouco, no propalado funcionamento unificado da rede bancária.


Hely Lopes Meirelles, com efeito, equipara os dispositivos legais em exame limitação administrativa que o Poder Público impõe às instituições bancárias para humanizar o serviço (de utilidade pública) bancário, como forma de promoção da paz social, dentro de uma realidade local'. Para este autor:
“As limitações administrativas representam modalidades de expressão da supremacia geral que o Estado exerce sobre as pessoas e coisas existentes no seu território, decorrendo do condicionamento da propriedade privada e das atividades individuais ao bem estar da comunidade”
Acrescenta, aliás, que a competência exclusiva da União para legislar sobre o funcionamento e fiscalização da rede bancária “não torna os bancos imunes à ação das outras esferas de governo (estados federados e municípios), no tocante às suas competências constitucionalmente asseguradas.”
O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 467.451, a respeito já decidiu:
ADMINISTRATIVO AGÊNCIA BANCÁRIAFUNCIONAMENTO HORÁRIO DE FUNCIONANENTO AO PÚBLICO. 1. Dentro da evolução da jurisprudência desta Turma, com a orientação dada pelo STF, têm-se entendido que pode o Município estabelecer o tempo de atendimento ao público, a partir da identificação do horário da retirada da senha e de efetivo atendimento. 2. Por interferência do PROCON, os Municípios têm editado leis diversas no sentido de regulamentar o prazo de atendimento. 3. Recurso especial conhecido, mas improvido (Recurso Especial nº 467.451 Santa Catarina. 2ª Turrna, Relatora Ministra Eliana Calmon, j. 18/05/03, DJ 16/08/04, p. 188).
Em nível superior, o STJ tem decidido que não há que falar de inconstitucionalidade da normatização municipal do funcionamento das agências e estabelecimentos financeiros (REsp.259.964-SP)
Destaca-se que a legislação municipal não está dispondo sobre a organização, o funcionamento e as atribuições de instituição financeira. Esta está tão-somente dispondo sobre a adequação dos estabelecimentos bancários para melhor atendimento da coletividade. Ademais, compete aos Municípios, nos termos do art. 30, I, CF, legislar sobre assuntos de interesse local. É, sem dúvida, assunto de interesse local a disciplina do comércio, de qualquer natureza, e da prestação de serviços.
DA VIOLAÇÃO CONCOMITANTE A PRECEITOS ESPECÍFICOS DO CDC
O Código de Defesa do Consumidor, por determinação expressa, é aplicável ao serviço bancário, uma vez que as entidades rés podem ser consideradas fornecedoras, ex vi do art. 3º, § 2º, de referido Diploma legal, que dispõe:
“Art. 3º – Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”
(...)
§ 2º – Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
José Reinaldo da Lima Lopes, neste aspecto, esclarecendo a razão de ser de referido dispositivo, acentua que:
“É fora de dúvida que os serviços financeiros, bancários e securitários encontram-se sob as regras do Código de Defesa do Consumidor. Não só existe disposição expressa na Lei n.º 8078/90 sobre o assunto (art. 3º, § 2º), como a história da defesa do consumidor o confirma, quando verificamos que a proteção aos tomadores de crédito ao consumo foi das primeiras a ser criada. De outro lado, nas relações das instituições financeiras com seus “clientes” podem-se ver duas categorias de agentes: os tomadores de empréstimos (mutuários) e os investidores (depositantes).” (In Consumidor e Sistema Financeiro, artigo para a revista Direito do Consumidor, n.º 19)
Para Nelson Nery Júnior, por outro lado:
“Caracterizam-se os serviços bancários como relações de consumo em decorrência de quatro circunstâncias, a saber: a) por serem remunerados; b) por serem oferecidos de modo amplo e geral, despersonalizado; c) por serem vulneráveis os tomadores de tais serviços, na nomenclatura própria do CDC; d) pela habitualidade e profissionalismo na suai prestação.” (In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 470)”.
O STJ, já se manifestou sobre a matéria e, pelo voto condutor da Ministra Nancy Andrighi, decidiu que
“Da aplicabilidade do CDC às instituições financeiras – no que respeita à violação aos arts. 2º e 3º do CDC, deve-se mencionar que a aplicabilidade do CDC às instituições financeiras, nos termos do v. acórdão recorrido, encontra-se em consonância com a jurisprudência dominante deste C. STJ, verbis:
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. BANCOS. CLÁUSULA PENAL; LIMITAÇÃO EM 10 %. 1.- Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no artigo 3º, parágrafo segundo, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através de operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco. (REsp. n. 57974/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, unânime, DJ 29/05/95).
A prestação de serviços bancários, com um sistema insuficiente para permitir o atendimento ao consumidor, de forma rápida e eficiente, provoca riscos à saúde dos consumidores/usuários, pessoas as quais as requeridas, na qualidade de fornecedoras daqueles serviços, têm o dever de proteger. Não é outra a dicção do art. 6º, inciso I do CDC:
Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
A preocupação do legislador, no que pertine a saúde do consumidor, é tão relevante que aparece, ainda, no art. 8º do mesmo Diploma legal, que dispõe:
“Art. 8º – Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.”
Por óbvio, ao submeter o consumidor a filas intermináveis, que implicam espera que ultrapasse a intermináveis sessenta (60) minutos, conforme relatório do oficial de promotoria as agências impõem aos usuários dos serviços bancários, desconforto, prejuízo e constrangimento físico e emocional, que deveriam, a teor do dispositivo referido acima, evitar.
Isto se repete, com maior gravidade, quanto ao consumidor em desvantagem (idosos, gestantes e deficientes), os quais, apesar de não gozarem de estado de saúde que recomende que permaneçam em pé por longos períodos, por vezes, são obrigados a fazê-lo à falta de assentos de onde pudessem aguardar sentados pela prestação do serviço bancário.
Outro aspecto de referida lei, que também encontra guarida em disposição do CDC, é o que se refere à afixação da escala de horário dos caixas, em local de fácil visualização, de modo a permitir que o consumidor fiscalize se todos os empregados designados para atender ao público se encontram de fato disponíveis para fazê-lo.
Assim é que, como preconiza o mesmo art. 6º, inciso III, da Lei Consumerista, é direito básico do consumidor:
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam;
Trata-se do dever de informar bem o público consumidor sobre característica importante do serviço, de modo a que lhe seja possível saber exatamente o que esperar dele ou, aliás, se está prestado com a devida consideração a seu direito, por número de trabalhadores (bancários) condizentes com a demanda de serviço, uma vez que é notória a prática dos bancos de evitar contratações, fazendo com que o serviço se acumule absurdamente nas mãos de poucos funcionários, muito dos quais são apenas estagiários, recebendo baixos salários, apesar dos lucros astronômicos das sobreditas instituições.
DO DANO MORAL COLETIVO
Necessário se faz reconhecer que o serviço ofertado ao consumidor possui vício de qualidade, na medida que expõe o consumidor a situação de vexame, constrangendo-o em razão da prática abusiva.
Prescreve o art. 6º, inciso VII, do codex citado:
"Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
Omissis...
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
A segurança e a tranquilidade de todos os indivíduos, assim como o sentimento de cidadania, é bruscamente atingido quando o patrimônio moral de uma coletividade é lesado, sem que haja qualquer direito à reparação desta lesão. No caso em tela, ficou evidenciado o descaso das agências bancárias, que deixam de cumprir a legislação municipal, ainda que repetidas pesquisas veiculadas pela mídia nacional revelem o fato notório de que as requeridas detêm os mais expressivos marcos de crescimento econômico, auferindo lucros absurdos, sem respeitar, contraditoriamente, os direitos do consumidor.
Define-se patrimônio moral, nas palavras de Wilson Melo da Silva, como “patrimônio ideal, em contraposição ao material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.”
Como consequência desta lesão a um bem juridicamente tutelado, está a necessidade de indenizar, entendendo-se por indenização a reparação do dano causado integralmente, sendo que, no caso de impossibilidade dessa forma, vislumbra-se a compensação em forma de pagamento de uma indenização em dinheiro.
Verifica-se, assim, que o Código do Consumidor garantiu como direito básico do consumidor não só a reparação por danos morais e patrimoniais mas, também, a efetiva prevenção do dano.
Em igual sentido, prescreve o art. 20, § 2º, do CDC citado, o que é serviço impróprio, destacando a norma consumerista:
Art. 20 - O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
Omissis- ...
§ 2º - São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam às normas regulamentares de prestabilidade.
É cediço que as práticas abusivas constantes no CDC não são numerus clausus, consistindo num elenco exemplificativo de prática comercias abusivas, devendo o intérprete verificar o desequilíbrio, a manifesta vantagem excessiva e a ofensa à boa-fé como fonte para a declaração da abusividade, sendo indispensável cotejar com a teoria da lesão, buscando, assim, a decretação da abusividade na relação de consumo.
A submissão à espera na fila por tempo considerável, muito superior aos 15 (quinze) minutos previstos em lei, em dias normais, causa inequivocamente aos consumidores um significativo desequilíbrio físico e emocional, impondo aos usuários dos serviços bancários, desconforto, prejuízo e indignação.
As agências bancárias, assim, devem implementar um mecanismo eficaz de controle de atendimento, para que não exponha o consumidor a constrangimento físico, buscando, assim, a qualidade do serviço prestado ao usuário.
Acrescente-se, ainda, que o consumidor possui a boa-fé objetiva, quem deverá fazer a prova de que o consumidor está de má-fé é o fornecedor. E por fim, ocorrido o constrangimento para o consumidor, restou demonstrado o dano moral.
Destarte, constranger o consumidor, através de horas e horas em filas intermináveis, é prática abusiva, que viola frontalmente os dispositivos que protegem o consumidor em geral.
DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Inicialmente, impende destacar que a concessão de antecipação dos efeitos da tutela, antes da resposta da parte processual ré, não ofende qualquer norma ou princípio constitucional, valendo transcrever a doutrina de Nelson Nery Júnior, no sentido de inexistência de violação ao princípio do contraditório nestes casos, in verbis:
"Há, contudo, limitação imanente à bilateralidade da audiência no processo civil, quando a natureza e a finalidade do provimento jurisdicional almejado ensejarem a necessidade de concessão de medida liminar, inaudita altera pars, como é o caso da antecipação de tutela de mérito (CPC, art. 273), do provimento cautelar ou das liminares em ação possessória, mandado de segurança, ação popular, ação coletiva (art. 81, parágrafo único do CDC) e ação civil pública. Isto não quer significar, entretanto, violação do princípio constitucional, porquanto a parte terá oportunidade de ser ouvida, intervindo posteriormente no processo, inclusive com direito a recurso contra a medida liminar concedida sem sua participação. Aliás, a própria provisoriedade dessas medidas indica a possibilidade de sua modificação posterior, por interferência da manifestação da parte contrária, por exemplo." (Grifos nossos. In Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. Coleção de Estudos de Processo ENRICO TULLIO LIEBMAN – volume 21.Editora Revista dos Tribunais, 5ª edição, 1999, página 141).
No que concerne ao fumus boni iuris, emerge inquestionável, conforme exaustivamente exposto acima, que as requeridas estão obrigadas a adotar as medidas determinadas, tanto pela Lei municipal nº 2260/99, como pelo Código de Defesa do Consumidor, todas normas em pleno vigor, mas flagrantemente descumpridas pelas agências bancárias locais.
Por outro lado, referido descumprimento é fato notório que independe de prova (art. 334, I CPC), pois seu conhecimento integra o comumente sabido, ao menos em determinado estrato social, por parcela da população a que interesse' (STJ-3a Turma, REsp 7.555 – SP, DJU 3.6.91, P. 7425). Logo, está preenchido o requisito da verossimilhança da alegação (art. 273, CPC).
Outrossim, todos os dias centenas de usuários acorrem às agências das instituições requeridas que, por não contarem com instalações que satisfaçam aos ditames legais, impõem-lhes sacrifícios físicos e morais. Por outro lado, usuários não clientes das agências bancárias são, a todo o momento, possíveis vítimas de discriminação em relação a clientes, quanto ao pagamento de contas até a data do respectivo vencimento. Salta aos olhos, por isso, que a tutela deve ser antecipada porque há fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Não há, finalmente, perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, pois, se, por hipótese improvável, viesse a ser revogado, as instituições requeridas teriam como facilmente restabelecer o modo de prestação dos serviços bancários hoje vigentes, embora indignos e intoleráveis para a população.
DO PEDIDO
Desta forma, requer seja deferida a antecipação da tutela, obrigando as requeridas a colocar à disposição de seus clientes senhas, com horário de entrada e o horário da efetiva prestação de serviço, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), caso o prazo transcorra sem a adoção das providências determinadas, requerendo, ainda, que as requeridas:
No mesmo prazo, criem um mecanismo eficaz de controle de atendimento, no prazo máximo de 15 (quinze) minutos, conforme determina a Lei, para que não exponha o consumidor a constrangimento físico, buscando, assim, a qualidade do serviço, principalmente sem a discriminação entre clientes e não clientes.
Informem a seus usuários, através de cartazes, afixados na entrada das agências, a escala de trabalho do setor de caixas colocados à disposição.
Finalmente, pugna-se pela total procedência da presente ação, confirmando a antecipação de tutela porventura deferida, condenando-se as requeridas ao pagamento do dano moral coletivo, das custas, e demais cominações de estilo.
Requer, também, a citação das requeridas para, querendo, contestarem a presente, sob pena de revelia, sendo presumidos como verdadeiros os fatos ora deduzidos.
No caso de condenação em dinheiro, por dano moral coletivo, postula-se seja o montante revertido para o fundo de que dispõe o art. 13 da LACP.
Protesta pela produção por todas as provas em direito admitidas, especialmente documental e pericial, com determinação de realização de diligências nas agências, com elaboração de laudo, no que pertine ao tempo de demora no atendimento dos usuários, solicitando, ainda:
A publicação de edital, nos termos da legislação vigente;
A inversão do ônus da prova, de acordo com o disposto no artigo 6º do CDC;
A dispensa do pagamento de custas e emolumentos, nos termos do artigo 18 da LACP.
Dá-se a causa, para fins fiscais, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Termos em que,
Pede deferimento.
Quirinópolis, 07 de janeiro de 2014.

Angela Acosta Giovanini de Moura
-promotora de justiça-