Processo nº
Mandado de Segurança
Impetrante:
Impetrado:
Meritíssima Juíza,
XXXXXX, devidamente representado por seu procurador (fls. 14) impetra
Mandado de Segurança contra ato ilegal perpetrado pelo Prefeito Municipal de Quirinópolis,
XXXXX.
Assevera ter ingressado
nos quadros do município de Quirinópolis por meio de concurso público para
exercer o cargo de motorista (fls. 17), tendo ocupado, durante o período de
julho de 2012 a janeiro de 2013, a função de motorista de ambulância, lotado na
unidade do SAMU.
Informa que no início
deste ano, tão logo houvera a alternância no poder executivo por força de
eleição municipal, fora suspenso de sua função, por ato do impetrado, e,
posteriormente, convocado para ocupar o cargo de motorista na Secretaria de
Urbanismo e Obras Públicas, conforme Portaria SRH 157/2013, fls. 21.
Defende, por fim, ter direito
líquido e certo de permanecer lotado na unidade local do SAMU, pois sua remoção
para a Secretaria de Urbanismo fora desmotivada, revestindo-se o ato
administrativo respectivo de arbitrariedade.
À inicial, foram
acostados os documentos de fls. 13/35.
Negada liminar rogada
(fls. 36/38).
Notificada, a
autoridade coatora apresentou informações às fls. 42/47, arguindo preliminar de
mérito, pontuando que a indicação da municipalidade para figurar no polo
passivo do mandado de segurança é errônea e permite a extinção do processo sem
julgamento de mérito.
No mérito, sustenta o
impetrado que o ato colimado de ilegal se alicerça nos princípios da
conveniência e necessidade do serviço público municipal.
Junta documentos de
fls. 49/60.
Breve relato, o
Ministério Público do Estado de Goiás, como custus
legis, emite o parecer que segue.
A Constituição Federal,
em seu art. 5º, inciso LXIX, determina a concessão de mandado de segurança para
proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data,
quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública
ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
O mandado de segurança
está regulado pela a Lei nº. 12.016, de 7 de agosto de 2009, tendo o legislador
propiciado a interpretação de que teria capacidade de ser parte o agente
público ou autoridade que tenha praticado o ato impugnado ou do qual emane a
ordem para sua prática. Todavia, é comum, embora errônea, a indicação para o
polo passivo da ação de pessoa jurídica de direito público como autoridade
coatora.
Frisa-se, no entanto,
com o fito de se conferir instrumentalidade e celeridade processual ao processo
e mitigar os efeitos de uma errônea indicação da autoridade, há decisões, que,
considerando o caso concreto, determinaram emenda da inicial e até a chamada do
agente coator. Mas a construção jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça[1],
que, no mesmo espírito, consagrou-se pacífica, é a da "teoria da
encampação".
Esta teoria afirma que
a autoridade hierarquicamente superior, apontada como coatora nos autos de
mandado de segurança, que defende o mérito do ato impugnado ao prestar
informações, torna-se legitimada para figurar no polo passivo do writ.
A Teoria da Encampação é fundamentada pelo
princípio da economia processual, que preconiza o máximo de resultado na
atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.
Todavia, a Primeira Seção do STJ, ao apreciar o MS n.º
10.484/DF[2],
traçou os requisitos mínimos da teoria da encampação, que somente incide se: (a)
houver vínculo hierárquico entre a autoridade erroneamente apontada e aquela que
efetivamente praticou o ato ilegal; (b) a extensão da legitimidade não
modificar regra constitucional de competência; (c) for razoável a dúvida quanto
à legitimação passiva na impetração; e (d) houver a autoridade impetrada
defendido a legalidade do ato impugnado, ingressando no mérito da ação de segurança.
À
propósito:
PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – ERRÔNEA INDICAÇÃO DA
AUTORIDADE COATORA. 1. O juiz não pode, de ofício, corrigir a impetração, se
for indicada, como coatora, autoridade que não deve figurar como impetrada,
cabendo somente a extinção do processo (inúmeros precedentes). 2. Se a
autoridade indicada erroneamente, mesmo tendo arguido a sua ilegitimidade,
assumir a coatoria do ato e prestar informações, por economia processual,
aplica-se a Teoria da Encampação, continuando-se com o writ. 3. Hipótese dos
autos cujas circunstâncias autorizam aplicar a Teoria da Encampação. 4. Recurso
especial improvido[3].
Destaca-se, neste prisma, que a finalidade precípua do
mandado de segurança é proteção de direito líquido e certo, que se mostre
configurado de plano, bem como da garantia individual perante o Estado, de
forma que sua finalidade assume vital importância, o que significa dizer que as
questões de forma não devem, em princípio, inviabilizar a questão de fundo
gravitante sobre ato abusivo da autoridade. Consequentemente, no presente caso,
a errônea indicação da autoridade coatora apresenta-se como erro escusável,
prescindindo, inclusive, de emenda à inicial.
Vencida
a preliminar apontada pelo impetrado, importa enfrentar o mérito, especialmente
no que se refere a existência de direito líquido e certo do impetrante em
permanecer lotado no SAMU, e se o ato administrativo que o removeu para a
Secretaria de Urbanismo prescinde de motivação.
O
impetrado ingressou nos quadros da administração pública municipal para exercer
o cargo de motorista. Lotado, inicialmente, no SAMU, fora removido para a Secretaria
de Urbanismo, exercendo o mesmo cargo de motorista para o qual fora concursado.
O inconformismo do impetrante cinge-se a
falta de motivação do ato administrativo que o removeu.
Com
efeito, para concessão da segurança reclamada, necessária a verificação de
alguns pressupostos.
Imprescindível,
por primeiro, que o direito subjetivo individual, cuja tutela é postulada, seja
líquido e certo, isto é, aquele em que a incontestabilidade é evidenciada de
plano.
Sobre
o tema, acentua Meirelles[4]:
Direito
líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na
sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. (...) Se a sua
existência for duvidosa, se a sua extensão ainda não estiver delimitada, se o
seu exercício depender de situação e fatos ainda indeterminados, não rende
ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.
Indispensável,
em segundo lugar, que a lesão ou ameaça de lesão a esse direito decorra de uma
ilegalidade ou abuso de poder.
Por
fim, mister que a atuação ou omissão a ser enfrentada no mandamus seja de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica
no exercício de atribuições do Poder Público.
Em
análise do conjunto factual-probatório, objeto da insurgência, impende
ressaltar que o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos do Município de Quirinópolis
(Lei Complementar nº 10, de 09/11/2006), ao dispor sobre a Lotação e Remoção do
funcionário prevê que:
Art.
44- Lotação é o local da unidade administrativa de designação do servidor para
o exercício das suas atribuições, determinada por cada Poder.
Art.
45- Os servidores do Quadro Geral poderão ser removidos, a pedido ou de ofício,
no interesse e necessidade de cada
Poder, nos termos e estabelecidos na Lei Orgânica.
Da
dicção do art. 45 da Lei Complementar nº 10, de 09/11/200610, extrai-se que a
remoção do funcionário público municipal pela administração reveste-se de
discricionariedade.
Cumpre
mencionar que a remoção é ato discricionário da administração pública, que visa
atender as necessidades e conveniências do serviço público, podendo o servidor
ser removido a qualquer tempo, uma vez que não possui direito à
inamovibilidade.
Ocorre
que o agente público, ao praticar o ato discricionário, deve fundamentá-lo, ou
seja, apresentar os motivos justificadores de sua prática, sob pena de o mesmo
ser declarado nulo.
Verifica-se
dos autos, que pela Portaria de nº 157/2013, as fls. 21, o prefeito municipal,
no uso de suas atribuições legais removeu a impetrante para local de trabalho
diverso daquele onde anteriormente trabalhava, sem qualquer motivação.
Ressalta-se,
que embora a Portaria mencionada houvesse utilizado o termo LOTAR, a realidade
fática denuncia verdadeira REMOÇÃO, uma vez que o impetrante já houvera sido
nomeado em meados do ano de 2012, conforme documento de fls. 17, tendo exercido
o cargo por mais de seis meses.
Ocorre,
que o impetrado utilizou-se de expediente inexistente em orbita administrativa
para mascarar a remoção, ou seja, suspendeu o ato anterior que nomeou o
impetrante para, posteriormente, convocá-lo à assunção do cargo, sem declinar a
motivação do ato.
Discorrendo
sobre a motivação do ato administrativo Carvalho Filho esclarece que:
Embora
possa haver certa semelhança com algumas dessas formas, com elas não se
confundem a remoção e a redistribuição, que não são formas de provimento
derivado por não ensejarem investidura em nenhum cargo. Em ambas há apenas o
deslocamento do servidor: na remoção o servidor é apenas deslocado no âmbito do
mesmo quadro e, na redistribuição, o deslocamento é efetuado para quadro
diverso. Em qualquer caso, o servidor continua titularizado no seu cargo, o que
não ocorre nas formas de provimento derivado. Neste ponto, é importante
destacar que essas modalidades de deslocamento funcional podem esconder
inaceitável arbítrio por parte do órgão administrativo, mediante flagrante
ofensa ao princípio da impessoalidade. Para evitar esse tipo de desvio de
finalidade, cabe ao administrador explicar, de forma clara, as razões de sua
decisão relativamente a determinado servidor (motivação), permitindo seja exercido
o controle de legalidade sobre a justificativa apresentada[5].
Neste
aspecto, delineia Meirelles[6]:
Denomina-se
motivação a exposição ou a indicação por escrito dos fatos e dos fundamentos
jurídicos do ato (cf. Art. 50, caput, da Lei 9.784/99). … na atuação
desvinculada ou na discricionária, o agente da Administração, ao praticar o
ato, fica na obrigação de justificar a existência do motivo, sem o quê o ato
será inválido ou, pelo menos, invalidável, por ausência de motivação.
Nessa
linha de raciocínio, não obstante a discricionariedade do ato de remoção do
servidor público, pois tal ato tem por finalidade atender as necessidades do
serviço público, não está o administrador isento de apresentar os motivos que o
justificam, tal qual prevê o artigo 45 do Estatuto do dos Servidores Públicos
de Quirinópolis, sob pena de incorrer em desvio de finalidade.
Sobre
a necessidade de motivação dos atos administrativos, o Superior Tribunal de
Justiça tem decidido:
ADMINISTRATIVO.
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. [….]. 1. O ato administrativo requer a observância,
para sua validade, dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e
eficiência, previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal, bem como
daqueles previstos no caput do art. 2º da Lei 9.784/99, dentre os quais os da
finalidade, razoabilidade, motivação, segurança jurídica e interesse
público.2.A Lei 9.784/99 contempla, em seu art. 50, que os atos administrativos
deverão ser motivados, com a indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos,
de forma explícita, clara e congruente, nas hipóteses de anulação, revogação,
suspensão ou de sua convalidação (art. 50, VIII, e § 1º, da Lei 9.784/99[7].
Ainda,
segue o STJ:
O princípio da
motivação possui natureza garantidora quando os atos levados a efeito pela
Administração Pública atingem a seara individual dos servidores. Assim, a
remoção só pode ser efetuada se motivada em razão de interesse do serviço[8].[9]
Indubitavelmente,
uma vez motivado o ato de remoção, o real interesse da administração pública
haveria de prevalecer sobre a vontade do servidor em permanecer na unidade onde
desempenhava as suas atribuições. No entanto, a ausência de motivação do ato
reveste-se de abuso de por parte da autoridade administrativa que determinou
tal remoção, tendo referido ato violado direito líquido e certo do impetrante.
Isto
posto, o Ministério Público de Goiás opina pela concessão da segurança.
Quirinópolis,
29 de dezembro de 2013.
Angela
Acosta Giovanini de Moura
-promotora de justiça-
[1]
STJ.
Mandado de Segurança nº 11.727/DF.
Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 27.09.2006, DJ
30.10.06.
[5]
CARVALHO FILHO,
Jose dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 24ª ed., Editora Lúmen
Júris, Rio de Janeiro, 2010, p. 565.
[6] MEIRELES, Hely Lopes. Direito
Administrativo Brasileiro, 27ª edição, 2002, Ed. Malheiros, p. 149
[7] STJ, Quinta
Turma, RMS 29206/MG, Relator: Ministro Campos Marques, DJe 05/06/13.
[8] STJ, Quinta Turma, RMS
12.856/PB, Relator: Ministro Gilson Dipp, DJ de 01/07/2004.
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