EXCELENTÍSSIMA SENHORA
DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 1º VARA CIVIL DA COMARCA DE QUIRINÓPOLIS
O MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DE GOIÁS, pela Promotora de Justiça, infra assinada, no exercício
de suas funções constitucionais e legais, vem, com a devida vênia, perante Vossa
Excelência, com fulcro no artigo 129, incisos I e III da Constituição Federal, artigos 131, 133, inciso I, 135,
136, 139 e 201, inciso V, da Lei Federal n 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM
PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, em
face do CONSELHO MUNICIPAL DE PROMOÇÃO
DOS DIREITOS E DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE XXXXXX, representado
pelo seu presidente, XXXXXXXXX, brasileiro, solteiro, funcionário público municipal, portador do XXXXXX, residente e domiciliado na cidade de XXXXXXX, bem como em
relação ao MUNICÍPIO DE XXXXX,
representado pelo prefeito municipal JXXXXXX, o qual pode ser encontrado na Prefeitura Municipal
de XXXXX, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:
1.DOS FATOS
Considerando as novas
regras estabelecidas para o processo unificado de escolha do Conselho Tutelar, a
requerente, no exercício de suas atribuições, expediu o oficio nº 16/2015, em
02/03/2015, documento de fls. 51, recomendando ao segundo requerido, prefeito municipal,
quanto a necessidade de ser cumprida a nova legislação e as novas orientações estabelecidas
pelo Conanda no que tange ao processo de escolha do conselho tutelar,
inclusive, advertiu quanto a obrigatoriedade de ser observado o prazo de seis
meses para início do processo de escolha unificado do Conselho Tutelar,
previsto na legislação em vigor.
No entanto, os requeridos,
em flagrante desrespeito à legislação, quedaram-se omissos quanto ao seu devido
cumprimento, deflagrando um processo antidemocrático, totalmente ilegal e
arbitrário.
Assim, instaurou-se no
âmbito da segunda promotoria de justiça de Quirinópolis, procedimento
registrado no sistema do órgão sob o nº XXXXXX, visando apurar a ocorrência
de irregularidades no processo de escolha do conselho tutelar de XXXXXa,
ocorrido o último dia 05;
Desta forma, notificado
a prestar declarações, o primeiro requerido informou, fls. 20, não ter observado
e tão pouco cumprido a Resolução do Conanda nº 170, de 10/12/ 2014, que
estabelece regras para o processo de escolha do conselho tutelar, negando-se a
execução dos seguintes preceitos legais:
a) Publicação do edital do processo escolha
dos membros do Conselho Tutelar com antecedência de no mínimo 06 (seis),
conforme artigo 7º;
b) Publicidade e transparência ao processo,
determinando a divulgação da relação dos inscritos, de forma a facultar a
impugnação de qualquer candidatura por qualquer cidadão, conforme dispõe o
artigo 11, §2º;
c) Delegação da condução do processo de
escolha dos membros do Conselho Tutelar local a uma comissão especial, a qual
deverá ser constituída por composição paritária entre conselheiros
representantes do governo e da sociedade civil, conforme artigo 11;
d) Notificação do Ministério Público, com a
antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas, de todas as reuniões
deliberativas a serem realizadas pela comissão especial encarregada de realizar
o processo de escolha e pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, bem como de todas as decisões nelas proferidas e de todos os
incidentes verificados, conforme artigo 11, §7º.
e) Observância do grau de
escolaridade, como requisito para a inscrição de candidato.
Com efeito, além da
violação aos vários dispositivos previstos na Resolução nº 170 do Conanda, garantidores
da transparência, publicidade e fiscalização do processo pelo Ministério
Público, o requerido também violou a determinação constante no artigo 132 do
Estatuto da Criança e Adolescente, que veda a recondução do conselheiro tutelar
para um terceiro e quarto mandatos, uma vez que homologou a inscrição de dois
candidatos, atualmente conselheiros tutelares, para disputar um terceiro e
quarto mandato.
Neste sentido,
constata-se pelas declarações do requerido, bem como pela cópia de Atas de
eleição para a composição do Conselho Tutelar, de anos anteriores, juntadas às
fls. 34 a 39, que os eleitos XXXX já exercera o mandato de
conselheira tutelar, em 2011 a 2013 e 2014 a 2015, bem como XXX, já houvera exercido a função de conselheiro tutelar durante o período de
2008 a 2010, de 2011 a 2013 e reconduzido para a função durante o período de
2014 a 2015. A candidata xxxxx igualmente, estivera na
função de conselheira tutelar durante o período de 2008 a 2010, 2011 a 2013 e
reconduzida para a função durante o período de 2014 a 2015. Portanto, estavam
impedidos, de forma absoluta, de pleitearem um novo mandato.
Importa registrar, que
a atual legislação municipal de XXXX não estabelece o grau mínimo de
escolaridade exigido para o deferimento da inscrição de candidato ao pleito, tanto
que o Edital de Convocação, item III, ao disciplinar sobre os requisitos para a
inscrição, fls. 24, limitou-se a discriminar “GRAU DE ESCOLARIDADE”. Assim
sendo, impõe-se a adoção da regra contida no artigo 12, §2º, II, da Resolução
nº 170/ 2014, do CONANDA, que estabelece a “comprovação de, no mínimo,
conclusão de ensino médio”, o que não foi observado pelo requerido, sendo
admitido a inscrição de todo e qualquer candidato sem comprovar o grau mínimo de
escolaridade exigido pela mencionada Resolução.
Destaca-se, também, o
descumprimento da normativa, referente a possibilidade de ser conferida ao Ministério
Público, por determinação legal, a fiscalização de todo o processo, dando-lhe ciência
de todo os atos.
Verifica-se, neste
aspecto, a falta de comunicação por escrito de todos os atos e reuniões para
deliberar a respeito do processo de escolha para o conselho tutelar ao
Ministério Público, fato que também macula o certame, porquanto ao órgão, por
disposição expressa na Lei 8.069/90, artigo 139, compete a fiscalização de todo
processo para escolha dos membros do Conselho Tutelar.
Por fim, ao tomar
conhecimento dos fatos, o Ministério Publico expediu RECOMENDAÇÃO ao Conselho
Municipal dos Direitos para que fosse promovido novo processo de escolha para o
conselho tutelar, ante as nulidades que macularam o recente, obtendo resposta
negativa, situação que autoriza o manejo da presente ação, uma vez que não há
outra medida administrativa passível de ser adotada por este órgão no sentido
de ver cumprida a legislação.
2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
2.1 DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO
Estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente que
é competente o Juízo da Infância e Juventude para julgar todas as causas
relativas à Infância e Juventude e, em especial, a ação civil pública para
defesa de interesses difusos e coletivos, conforme se depreende do disposto nos
artigos 148 e 209.
A competência da Vara da Infância e Juventude decorre
do fato do Ministério Público tutelar o interesse das crianças e adolescentes
que serão atingidos diretamente pela atividade dos Conselheiros Tutelares
eleitos irregularmente, bem como por tratar-se de competência especial a qual
derroga a competência geral.
2.2 DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO
Nos termos do artigo 127, caput, da CR/88, incumbe ao Ministério Público “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis”.
Na mesma esteira, a Constituição Federal afirma, em seu
artigo 129, inc. III, e o ECA em seu artigo 201, inc. V, respectivamente, ser função
institucional do Ministério Público “promover
o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público
e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”,
Por outro lado, o art. 1º, da Lei nº 7.347/85 dispõe
que a ação civil pública é cabível em sendo constatada lesão a direito ou
interesse individual homogêneo, difuso ou coletivo, como é o presente caso, o
que é corroborado também pela disposição do art. 208, parágrafo único, da Lei
nº 8069/90, que está relacionado com área da Infância e da Juventude.
2.3 DAS NULIDADES NO PROCESSO DE
ESCOLHA PARA O CONSELHO TUTELAR DE XXXX
2.3.1 – DA VEDAÇÃO PARA A
RECONDUÇÃO A UM TERCEIRO MANDATO DE CONSELHEIRO
A
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, no
Título V, Capítulo I estabelece as disposições gerais acerca do Conselho
Tutelar, deixando para lei municipal o disciplinamento pormenorizado de tal
órgão permanente e autônomo, de caráter não-jurisdicional, com destacada e
relevante função social, vez que encarregado pelo zelo dos direitos das
crianças e dos adolescentes, atuando decisivamente na sua promoção, conforme
apregoa o art. 131 do retro citado Diploma.
Ainda na seara do
Estatuto da Criança e do Adolescente, importa destacar que art. 132, em
prestigio a democracia participativa, que busca efetivar a consolidação do
Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente e a implementação
das políticas públicas em âmbito local, veda a recondução do conselheiro
tutelar para um quarto mandato, sendo este um dos requisitos essenciais para a
participação do processo de escolha para a composição do conselho tutelar.
Art. 132. Em
cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no
mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública
local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para
mandato de 4 (quatro) anos, permitida 1 (uma) recondução, mediante novo
processo de escolha.
Neste
sentido, aponta-se o seguinte julgado:
REEXAME
NECESSÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. MUNICÍPIO DE CANELA.
CONSELHEIRO TUTELAR. INDEFERIMENTO DA INSCRIÇÃO PARA ELEIÇÃO DO CONSELHO TUTELAR.
ART. 132 DO ECA QUE PERMITE APENAS UMA RECONDUÇÃO AO CARGO. 1. Conforme
preconizado pelo art. 132 da Lei nº 8.069/90 - ECA -, o mandato dos
Conselheiros Tutelares é de três anos, permitida apenas uma recondução. 2.
Tendo a postulante sido investida no cargo de conselheiro tutelar em 2006, mesmo em caráter transitório, e
posteriormente reconduzida para o triênio 2008/2011, como titular eleita,
mostra-se correto o indeferimento de seu pleito de novamente concorrer, visando
ao preenchimento do mesmo cargo para o triênio 2011/2014, já que modo diverso
estaria infringindo a legislação de regência, desimportando que tenha assumido o cargo por vacância ou substituição.
Precedentes desta Corte. APELAÇÃO PROVIDA. PREJUDICADO O REEXAME NECESSÁRIO.
(Apelação e Reexame Necessário Nº 70052787728, Quarta Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Antônio Vinícius Amaro da Silveira, Julgado em
16/07/2014(TJ-RS - Agravo de Instrumento AI 70066868555 RS).
Desta forma, a
homologação das inscrições dos conselheiros, XXXXXXXX os quais já que já houveram
exercido o cargo de conselheiros tutelares por três e quatro vezes, durante o
período de 2008 a 2010 a 2013 e reconduzidos para a função durante o período de
2013 a 2015, está contaminada por vicio insanável por contrair frontalmente a legislação
federal.
2.3.2 – DAS VIOLAÇÕES AS REGRAS
CONTIDAS NA RESOLUÇÃO N º 170 DO CONANDA.
Ao
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente- CONANDA, compete estabelecer
diretrizes e normas gerais quanto à política de atendimento à criança e ao
adolescente, disciplinando, dentre outros, o processo de escolha para o
conselho tutelar.
Assim, a Resolução nº
170 de 10 de dezembro de 2014, alterou a Resolução 139, de 17/03/2010, e
estabeleceu novas regras para disciplinar o procedimento de escolha para o
cargo de conselheiro tutelar, que deve obedecer rigorosamente os ditames legais
mormente pela importância de tal pleito, que visa o preenchimento de cargos
relevantes na defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Verifica-se, pela
documentação acostada aos autos administrativos e pela declaração do requerido,
prova inequívoca de atos que violam a aludidas disposições legais, especialmente
no que tange a obrigatoriedade de conferir publicidade e transparência a todos
os atos do processo.
O requerido, a seu
turno, na condução do processo, como presidente do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e Adolescente, violou a Resolução nº 170 do Conanda, artigo
11, deixando de conferir AMPLA publicidade
ao Edital que convocou o processo, eis que não fora veiculado por qualquer meio
de comunicação de massa.
A propósito, no sitio eletrônico
da prefeitura municipal de xxxx, o referido
edital não fora publicado, conforme se evidencia pelos documentos de fls. 56 a
58, que trazem a impressão das páginas referente ao “diário oficial do município”, “Publicação de Atos Oficiais” e “Noticias”.
Verifica-se, que sequer
na página de “noticias”, a matéria
referente ao edital que convocou o processo de escolha para o conselho, fora
veiculada, contrariando-se assim as mais comezinhas regras que primam pela
publicidade e transparência de todo ato público.
Salienta-se que a
publicidade é requisito inerente ao Estado Democrático de Direito, sendo que
todos os atos, programas e ações do Poder Público devem ser amplamente
divulgados. Daí porque a publicidade constitui pressuposto necessário da
transparência administrativa, visto que o trato da coisa pública não pode ser
secreto, reservado, acessível apenas a determinados grupos hegemônicos
A publicidade é, assim, instrumento essencial
do regime democrático, a fim de que o povo possa acompanhar pari passu o
desenvolvimento das atividades administrativas, seja para a defesa de
interesses individuais (uti singuli),
seja para a promoção de interesses públicos (uti universi).
Desta forma, sendo
condição de validade ou eficácia do ato, impunha-se ao primeiro requerido a
publicação do edital de convocação do processo de escolha para o conselho tutelar,
bem como a relação dos inscritos, no prazo legal, permitindo-se, assim, ampla
divulgação para que qualquer do povo pudesse exercer o direito de impugnação, o
que não foi feito.
A omissão referente a
transparência e publicidade do processo, conforme o requerido asseverou em suas
declarações de fls. 20/21, eiva de vicio insanável todos os atos praticados,
devendo ser reconhecida a nulidade do certame, a fim de que um outro se
verifique, com estrita observância dos princípios constitucionais e legais a
respeito do tema.
A propósito o Tribunal
de Justiça do Estado de Goiás, em caso semelhante, já decidiu:
AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSÃO DE ELEIÇÃO PARA CONSELHEIROS DO
CONSELHO TUTELAR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFESA DE INTRESSES DIFUSOS E
COLETIVOS. ACOLHIMENTO DO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECISÃO NÃO CARENTE DE
FUNDAMENTAÇÃO. I- De curial, compete ao Ministério Público zelar pela defesa dos
interesses difusos e coletivos da sociedade, máxime no que pertine ao processo
seletivo levado a efeito pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do
Adolescente, sobretudo, quando evidenciadas possíveis irregularidades na
condução do aludido pleito para a escolha de novos conselheiros, cabendo ao
juiz, dentro do seu poder geral de cautela, tomar decisões que, à evidência,
protejam os direitos das crianças e adolescentes daquela comunidade. II-
Conforme precedentes jurisprudenciais do STJ, a adoção do parecer do
representante do Ministério Público como razões de decidir na sentença não
macula o dispositivo constitucional que exige a fundamentação de todas as
decisões (art. 93, X da CF/88), tampouco representa negação da prestação
jurisdicional ou omissão do julgado, mormente quando o pronunciamento
ministerial esgotou, de maneira conclusiva, o objeto da questão controvertida.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJGO.AGRAVO DE INSTRUMENTO
218796-83.2010.8.09.0000 (201092187960) COMARCA DE RUBIATABA AGRAVANTE:
CONSELHO MUNICIPAL DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO MUNICÍPIO DE
MORRO AGUDO DE GOIÁS AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR: LUIZ EDUARDO DE
SOUSA).
Ainda,
o Tribunal de Justiça Gaúcho, a respeito, decidiu:
AGRAVO
DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ELEIÇÃO PARA MEMBRO DO CONSELHO TUTELAR.
MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA. SUSPENSÃO DO PLEITO. POSSIBILIDADE.
PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 273 DO CPC. Hipótese em que estão presentes
os requisitos que ensejam a antecipação de tutela para suspender a eleição para
membro do Conselho Tutelar de Santo Antônio da Patrulha, diante da demonstração
satisfatória 00de irregularidades no procedimento eleitoral. AGRAVO DE
INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70053545877, Quarta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em
24/07/2013) (TJ-RS - AI: 70053545877 RS, Relator: Eduardo Uhlein, Data de
Julgamento: 24/07/2013, Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da
Justiça do dia 09/08/2013).
Reitera-se, ainda, a
falta de cientificação de todos os atos do certame ao Ministério Público,
encarregado da fiscalização do processo unificado de escolha do conselho tutelar,
conforme preceitua a Lei nº 8.069/
1990, artigo 139:
Art.
139. O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será
estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do
Ministério Público.
De igual forma, deveria
o primeiro requerido, em cumprimento a legislação, informar o Ministério o
Ministério Público, com a antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas, de
todas as reuniões deliberativas a serem realizadas pela comissão especial
encarregada de realizar o processo de escolha e pelo Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente, bem como de todas as decisões nelas
proferidas e de todos os incidentes verificados, conforme §7º, do artigo 11, da
Resolução nº 170/2014, do Conanda.
Finalmente, o edital de
convocação para o processo de escolha do Conselho Tutelar, apresenta nulidade
no que tange a falta de adoção do requisito mínimo do grau de escolaridade, consoante
preceitua a Resolução do Conanda, nº 170/2014, artigo 12, §2º, II, fato que
fulmina todo o certame.
O Mistério Público ao
tomar conhecimento das flagrantes irregularidades, instaurou procedimento no âmbito
de suas atribuições e expediu Recomendação ao primeiro requerido com o propósito
de obter a anulação do processo de escolha para o conselho tutelar, a fim de
que outro fosse realizado nos moldes da legislação especifica.
No entanto, o primeiro
requerido, remeteu a esta promotoria de justiça o documento de fls.48/49, recusando-se
a acatar a Recomendação para a anulação do pleito, ensejando ao Ministério
Público direito de agir, eis que ocorreram vícios insanáveis e intransponíveis
que infestam o processo de escolha em questão, especialmente pela falta de
publicidade, transparência, e eleição de candidato absolutamente impedido para
o exercício do cargo.
3. DOS PEDIDOS
3.1. DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
A tutela antecipada, necessidade do pleno exercício do
direito de ação, em prol da defesa de toda e qualquer ameaça ou lesão a
direito, está estatuída no artigo 273 do Código de Processo Civil. Seus
requisitos são a verossimilhança das alegações constantes na inicial, a partir
de prova inequívoca, e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação. Visa a tutela antecipada a garantir o resultado efetivo do
provimento jurisdicional.
A antecipação de tutela em ações que objetivem a
obrigação de fazer ou não fazer possui previsão no art. 461, caput e §
3°, do Código de Processo Civil, aplicável à Ação Civil Pública por força do
que dispõe o art. 19 da Lei 7.347/85, sendo relevante o fundamento da demanda e
havendo justificado receio de ineficácia do provimento final.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery (ob. cit.
p. 1149), advertem que:
“Pelo CPC, artigos 273 e 461 § 3º, com a redação dada
pela Lei 8.952/94, aplicável à ACP (LACP 19), o juiz pode conceder a
antecipação da tutela de mérito, de cunho satisfativo, sempre que presentes os
pressupostos legais. A tutela antecipatória pode ser concedida quer nas ações
de conhecimento, cautelares e de execução, inclusive de obrigação de fazer ou
não fazer.”
A aplicabilidade
da antecipação da tutela na ação civil pública é tema abordado por Lúcia Valle
Figueiredo, citada por Rodolfo de Camargo Mancuso (in Ação Civil Pública, 5ª
edição, p. 145, Editora Revista dos Tribunais), que assim leciona:
“Deverá o
magistrado pela prova trazida aos autos, no momento da concessão da tutela,
estar convencido de que, ao que tudo indica – o autor tem razão e a
procrastinação do feito ou sua delonga normal poderia pôr em risco o bem de
vida protegido – dano irreparável ou de difícil reparação. A irreparabilidade
do dano na ação civil pública é manifesta, na hipótese de procedência da ação.
A volta do ‘status quo ante’ é praticamente impossível e o ‘fluid
recovery’ não será suficiente a elidir o dano.
No Código de
Defesa do Consumidor, a previsão legal encontra-se no art. 84, parágrafo 3°,
onde enseja a concessão de tutela liminarmente ou após justificação prévia,
quando for relevante o fundamento da demanda e houver justificado receio de
ineficácia do provimento final.
A Lei
7.347/85, que disciplina a ação civil pública, contém expresso preceito
permissivo do deferimento de medida liminar, regulando no seu art. 12 que
“poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em
decisão sujeita ao agravo”.
A concessão da
medida exige a presença de dois requisitos essenciais: fumus boni iuris
(juízo de probabilidade e verossimilhança da existência de um direito) e periculum
in mora (fundado temor de que a demora na solução do litígio inviabilize a
sua “justa composição”).
No caso em
exame, não resta qualquer dúvida quanto à possibilidade ou probabilidade do
direito alegado, consoante se infere dos argumentos e dispositivos legais antes
mencionados.
Com efeito, a
plausibilidade do direito invocado está plenamente evidenciada pela flagrante
desobediência às regras contidas na Lei nº 8069/90 e Resolução CONANDA nº
170/2014, que maculou todo o processo de escolha do conselho tutelar.
Assim,
demonstrado que o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar de
xxxxse contaminou pela ilegalidade, consistente na ausência de
publicidade, transparência e ilegalidade dos atos que marcaram o certame, ante
a violação aos dispositivos do artigo 11 e 12, da Resolução n 170 do Conanda,
bem como artigos 133 e 139 do ECA, resta clara a verossimilhança das alegações.
O periculum
in mora, ou o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação,
também pode ser facilmente constatado no presente caso, uma vez que a
homologação do resultado poderá importar na posse de candidatos, os quais, por
sua vez, exercerão suas funções de atender e encaminhar crianças e adolescentes
sem a garantia de que estavam efetivamente aptos a tão sério e delicado mister.
A cautela judicial se faz imprescindível diante do risco de um atendimento
indevido aos direitos fundamentais daquela parcela da população de xxx.
Não há como
negar, de outra parte, o periculum in mora. Sem dúvida, não é razoável
exigir-se que a sociedade, constatando nulidades concernentes ao processo de
escolha dos integrantes do Conselho Tutelar, fique exposta, até o provimento
jurisdicional definitivo, aos prejuízos de ordem legal decorrentes da posse dos
escolhidos. Isso sem contar nos danos que serão verificados caso os
Conselheiros Tutelares sejam empossados e iniciem suas atividades com a
comunidade local, as quais serão incorrigivelmente anuladas, com prejuízo para
as crianças e adolescentes envolvidos.
Finalmente,
traz-se à colação a doutrina do desembargador ERNANE FIDELIS, em sua obra
"Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro" (1996):
"Conclui-se,
pois, que, para a tutela antecipatória, diz-se que convencimento de
verossimilhança nada mais é do que um juízo de certeza, de efeitos processuais
provisórios, sobre os fatos em que se fundamenta a pretensão, em razão de
inexistência de qualquer motivo de crença em sentido contrário. Provas
existentes, pois, que tornam o fato, pelo menos provisoriamente, indene de
qualquer dúvida." (p. 30-31).
Acrescenta,
ainda, o festejado mestre, em sua obra "Manual de Direito Processual
Civil" (vol. 1, 5ª ed., 1997), que:
"Prova
inequívoca não é prova pré-constituída, mas a que permite, por si só ou em
conexão necessária com outras também já existentes, pelo menos em juízo
provisório, definir o fato, isto é, tê-lo por verdadeiro. (...)" (p. 333)
Vale
relembrar, por oportuno, que o Estatuto da Criança e do Adolescente ao tratar
da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos, prevê, no
artigo 213, § 1º, que na ação cujo objeto seja o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, sendo relevante o fundamento da demanda e em havendo
justificado receio de que será ineficaz o provimento final, o Juiz poderá
conceder a tutela antecipada.
Portanto,
estão presentes todos os pressupostos que autorizam o deferimento da medida
antecipatória de tutela, conforme estabelece o artigo 273 do Código de Processo
Civil, posto que legal, e necessária, vez que incalculáveis são os prejuízos
decorrentes de sua denegação.
Isto posto,
relevantes os fundamentos que motivaram esta ação, uma vez que se trata de
direitos indisponíveis, havendo prova inequívoca da nulidade do processo de
escolha para o conselho tutelar de xxx, o que faz presente a
verossimilhança da alegação e, ainda, sendo sério e iminente o risco da demora
da decisão judicial, se concedida a tutela somente ao final, o MINISTÉRIO
PÚBLICO requer a ANTECIPAÇÃO DA TUTELA, INAUDITA ALTERA PARTE, a fim
de ser determinado:
1) A
ANULAÇÃO DO PROCESSO DE ESCOLHA PARA O CONSELHO TUTELAR DE xxxx,
ocorrido em 04/10/2015;
2) A
OBRIGACAO DE FAZER para que o Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e Adolescente de xxxx, no prazo de cinco
dias, convoque novo processo de escolha para o conselho tutelar daquele
município, desta feita com observância dos procedimentos exigidos pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente e pela Resolução nº 170, de 10/12/2014, do CONANDA,
artigo 11 e 12, devendo dar AMPLA PUBLICIDADE ao edital de convocação do
processo, não somente em página inicial e visível no sitio eletrônico mantido
pela prefeitura de xxx, como também promover divulgação do certame por
meio de veiculação de carro de som, por duas horas/dia, durante 10 dias,
sob pena de imposição de multa no valor de um mil reais por dia de atraso
no cumprimento da decisão.
3.2 DO PEDIDO DEFINITIVO
Diante
do exposto, requer o Ministério Público:
a)
O recebimento da presente ação na forma da lei;
b) deferimento
da antecipação da tutela inaudita altera parte, consoante disposição contida no
art. 213 e parágrafos, da Lei nº8.069/90 e art. 273 do CPC, na forma requerida,
itens 01 e 02;
c) a citação
dos requeridos para, querendo, contestar a ação no prazo legal, sob pena de
revelia;
d) a produção
de os meios de prova em direito admitidas, incluindo prova documental e
testemunhal, assim como a coleta de depoimento pessoal das requeridas;
e) a juntada
do procedimento administrativo em anexo;
f) procedência
da presente ação, em todos os seus termos;
Finalmente,
observando-se que o Ministério Público, como autor da presente ação, está
isento recolher custas processuais, nos termos do artigo 18 da Lei Federal nº
7.347/85, atribui à causa para os fins legais – não obstante inestimável - o
valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
Quirinópolis,
16 de outubro de 2015.
Angela Acosta
Giovanini de Moura
-Promotora de justiça-