quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Antecedentes históricos do direito ambiental



Os registros históricos que pontuaram a solidificação do direito ambiental no Brasil, são recentes. Na década de oitenta e noventa a proteção legislativa em relação ao meio ambiente se acentuou por influência das duas grandes conferências internacionais, convocadas pela Organização das Nações Unidas-ONU, para discutir a crise ambiental que ameaça a vida no planeta, provocada pelo fenômeno climático do aquecimento global.
O aquecimento do planeta, provocado pela emissão antrópica de gases de efeito estufa, remonta à Revolução Industrial, e coincide com as inovações tecnológicas na máquina a vapor, introduzidas por James Watt, em 1871, que permitiram a aceleração do processo de transformação da matéria-prima e a sua utilização em larga escala (LOMBARDI, 2008, p. 54).
A revolução industrial alterou substancialmente a forma de o ser humano se relacionar com a natureza, porque o método de produção, ditado pelo capitalismo, exigia constante pressão sobre os recursos naturais (GOUVEIA, 2008, p. 11).
O estabelecimento de uma economia industrializada baseada numa tecnologia altamente consumidora de energia, que tinha como fonte a queima de combustíveis fósseis, como o carvão mineral, petróleo e o gás natural (SEIFFERT, 2009, p. 7), os quais produzem dióxido de carbono-CO2, um dos principais gases do efeito estufa, contribuiu consideravelmente para o aquecimento global e a crescente perda da biodiversidade no planeta (MILARÉ, 2009, p. 56).
O surgimento de uma sociedade consumista, decorrente do desenvolvimento industrial, exigiu o atendimento de necessidades que justificavam a ação predatória do homem sobre a natureza, considerada fonte ilimitada de recurso, acarretando o desmatamento da cobertura vegetal do planeta, o lançamento de gases poluentes na atmosfera e o aumento na produção de resíduos (OLIVEIRA, 2009, p. 109).
As atividades humanas impactantes sobre o meio ambiente durante a sociedade industrial registraram aumento de aproximadamente 25% da concentração de dióxido de carbono na atmosfera (CAMARGO, 2010, p. 31). A ideia de que os recursos naturais eram infinitos propiciou o avanço do industrialismo predatório (DEAN, 2009, p. 254), sem qualquer estratégia conservacionista (PORTO-GONÇALVES, 2011, p. 31).
Segundo Camargo (2010, p. 29), a pressão sobre os recursos naturais foi intensificada após a Segunda Guerra Mundial, ante o avanço internacional da produção industrial, atingindo proporções nunca antes registradas na história humana.
Conclui Barbieri (2009, p. 12) que o surto do desenvolvimento acelerado,  inicialmente observado nos países envolvidos no conflito mundial, espalhou-se pelos países periféricos, os quais experimentariam, logo em seguida, mudança no processo do desenvolvimento econômico, antes caracterizado por uma base produtiva centrada nas atividades primárias, para outra baseada na industrialização. Este surto, continua o autor, agravou os problemas ambientais, levando a comunidade internacional a questionar o modelo de desenvolvimento adotado, frente aos sinais de alterações no clima que já se faziam notados.
O reconhecimento da fragilidade do planeta – ante as possibilidades do homem em alterar drasticamente a biosfera, em amplitude e em relação à propagação dos seus efeitos, no tempo e no espaço –, foi evidenciado após a detonação da bomba atômica em Hiroshima, fato que contribuiu incisivamente para que os problemas relativos ao meio ambiente tivessem um enfoque mundial (CASSARA, 2007, p. 18).
Nesse aspecto, o potencial técnico científico destrutivo da humanidade e da natureza ficou evidenciado no final da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo foi surpreendido com o lançamento da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, que resultou na morte de mais de 100 mil pessoas (CUNHA; GUERRA, 2010, p. 29).
As questões ambientais somente conquistaram importância para a comunidade global depois da ocorrência destes acontecimentos históricos, porquanto antes as relações ‘homem e natureza’ eram ditadas pelo antropocentrismo[1] e pela crença inabalável da infinitude dos recursos naturais.
Segundo Moreira (2009, p. 48), as grandes potências não consideravam importantes os problemas ambientais para a ordem dos interesses nacionais e internacionais, os quais adquiriram maior relevância por ocasião do surgimento dos movimentos ambientalistas na década de 60 e com as ameaças ambientais globais capazes de afetar o bem-estar da humanidade, como a poluição, chuva ácida, aquecimento global, entre outros.
Os desastres ecológicos provocados pela ação humana foram determinantes no sentido de obrigar a sociedade planetária a pensar em estratégias de conservação da natureza, destacando-se, neste aspecto, as iniciativas que culminaram com a fundação, em 1948, da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (CASARA, 2007, p.19). Trata-se de uma organização internacional, com sede na Suíça, que agrupa Estados e entidades diversas, dedicada à conservação dos recursos naturais em todo o mundo.
Nos anos 60 e 70 os debates a respeito do problema ambiental tomaram a pauta da comunidade científica. Esclarece Lago (2006, p. 28) que a repercussão de obras, como Silent Spring (1962), de Rachel Carson, e This Endangered Planet (1971), de Richard Falk, ou de ensaios e livros de Garrett Hardin, como The Tragedy of Commons (1968) e Exploring New Ethics for Survival (1972), tiveram forte impacto na opinião pública, intensificando-se com a publicação do relatório Os Limites do Crescimento, publicado em 1972 pelo Clube de Roma[2].
Apregoando o esgotamento dos recursos naturais ante o crescimento populacional acelerado, o estudo, publicado com o título The Limits to Growth (PORTO-GONÇALVES, 2010, p. 68), apontava o crescimento zero como forma de frear os problemas ambientais decorrentes do padrão de desenvolvimento. O relatório causou grande impacto ante as perspectivas alarmistas sobre o futuro planetário, se mantido fosse o ritmo do desenvolvimento e crescimento populacional da Terra (CAMARGO, 2010, p. 48).
Utilizando fórmulas matemáticas, o relatório Meadows, como ficou conhecido, fazia projeções para os próximos cem anos, concluindo que a sociedade moderna se conduzia para a autodestruição, visão cada vez mais explorada naquele momento, numa concepção neomalthusiana sobre a capacidade da Terra de absorver uma explosão demográfica (CAVALCANTI, 1994, p. 148).
Considerando todos estes acontecimentos e diante da repercussão internacional do desastre ecológico em Minamata[3], Japão, o governo da Suécia tomou a iniciativa frente à problemática ambiental que extravasava fronteiras e propôs à Organização das Nações Unidas (ONU) a realização da uma conferência internacional para discutir as questões ambientais, a industrialização e suas consequências.
Assim, a Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente Humano, realizada de 05 a 16 de junho de 1972, em Estocolmo, Suécia, foi considerada um marco histórico-político internacional para a evolução do tratamento das questões ligadas ao meio ambiente no plano internacional e também no plano interno de grande número de países. O evento, decisivo para o surgimento de políticas de gerenciamento ambiental, direcionou a atenção das nações para as questões ecológicas (PASSOS, 2009, p. 02), pela primeira vez
REFERÊNCIAS:
BARBIERI. José Carlos. Desenvolvimento e Meio Ambiente. 11º ed. Petropolis/RJ : Vozes, 2009.
CAMARGO. Ana Luiza de Brasil. Desenvolvimento Sustentável Dimensões e Desafios. 5º ed. Campinas/SP: Papirus, 2010.
CAVALCANTI, Clóvis (Org.). DESENVOLVIMENTO E NATUREZA: Estudos Para uma sociedade sustentável. INPSO/FUNDAJ, Instituto de Pesquisas Sociais, Fundação Joaquim Nabuco, Ministério de Educação, Governo Federal, Recife, Brasil. 1994. p. 262
CUNHA, Sandra Batista. GUERRA, Antônio José Teixeira. (org). – A Questão Ambiental: Diferentes Abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
LOMBARDI. Antonio. Créditos de Carbono e Sustentabilidade. Os caminhos do novo capitalismo. São Paulo: Lazuli Editora, 2008.
MILARÉ, Edis. Direito do Meio Ambiente. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MOREIRA. Helena Margarido. A atuação do Brasil no regime internacional de mudanças climáticas de 1995 a 2004. Dissertação de Mestrado Relações Internacionais San Tiago Dantas – UNESP, UNICAMP e PUC-SP / São Paulo: 2009.
OLIVEIRA, Adão Francisco; CHAVEIRO, Eguimar Felício; OLIVEIRA, Ubiratan Francisco de. Transformação em Goiás: Capitalismo, modernização e novas disposições socioespaciais. Caminhos de Geografia. Uberlândia v. 10, n. 32, 2009.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A globalização da natureza e a natureza da globalização. 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011
SEIFFERT. Mari Elizabete Bernardini. Mercado de carbono e protocolo de Quioto: oportunidades de negócios na busca da sustentabilidade         . São Paulo: Atlas, 2009


[1] Concepção científica que insere o homem no centro das preocupações ambientais, no entro do universo (Sirvinskas, 2009, p. 13).
[2] Em abril de 1968, um grupo de empresários e executivos transnacionais (Xérox, IBM, Fiat, Remington, Rand, Ollivetti, entre outras), fundou o Clube de Roma para debater, entre outras questões, as consequências da demanda por recursos não renováveis. O Relatório Meadows, patrocinado pelo Clube de Roma e elaborado por cientistas de uma das mais renomadas instituições acadêmicas estadunidenses, o Massachusetts Institute of Technology – MIT – apresenta um título ilustrativo – The limits to growth, Os limites do crescimento. Embora partindo de uma hipótese simplificadora, o documento assinalava o tempo necessário para o esgotamento dos recursos naturais, caso fossem mantidas as tendências de crescimento até então prevalecentes. (Porto-Gonçalves: 2006, p. 67).
 [3] Lançamento de resíduos industriais despejados durante anos na Baía de Minamata, no sul do Japão, contendo mercúrio que contaminou o pescado da região. De 1953-1997, 12.500 pessoas haviam sido diagnosticadas com o “Mal de Minamata”.,uma contaminação que degenera o sistema nervoso e é transmitida geneticamente, acarretando deformação nos fetos.” As consequências: surdez, cegueira e falta de coordenação motora. A repercussão só se deu em 1972, quando por força de decisão judicial inédita no mundo, as vítimas passaram a receber indenizações pelos males sofridos. (BARREIRA, 2007, p. 4).