Processo:
201300509658
Natureza:
Suscitação de Dúvida
Suscitante:
Oficiala do Cartório de Registro de Imóveis de Quirinópolis
Suscitado:
Agrocria Comercio e Industria Ltda
Meritíssima Juíza,
Cuida-se de
procedimento de Suscitação de Dúvida proposto pela Oficiala, Cartório de Registro
de Imóveis de Quirinópolis, Lilian Xavier Rodrigues, com fundamento no art. 198
da Lei n. 6.015/73, visando dirimir dúvida acerca dos registros dos títulos de
créditos que lhe foram apresentados pela suscitada.
Aduz o suscitante que,
em 22/08/2013, a suscitada requereu o registro de uma Cédula de Produto Rural
emitida por Flaider Eugusto Piaia, tendo como co-emitente Valeria Regina
Machado Domingos, tendo como garantia cedularmente constituída o imóvel urbano
de propriedade do emitente.
Ocorre, que referido imóvel também foi
ofertado em garantia hipotecária à empresa Agrotec Comercio e Representações
Ltda, cujo título fora emitido em 17/09/2013.
Argumenta, contudo, que
foram apresentados para registro primeiramente o título de crédito da
suscitante, e somente em 19/09/2013 houve o registro do título constituído
anteriormente, apresentado pela empresa Agrotec.
Defende a suscitante
ter observado rigorosamente o procedimento estatuído no artigo 189 da Lei de
Registros Públicos, porquanto a CPR que lhe fora apresentada para registro pelo
suscitado constava a informação de constituição hipotecária anterior, razão
pela qual procedeu a prenotação do título e aguardou o transcurso do prazo e
trinta dias para que os interessados na primeira hipoteca promovessem sua
inscrição, o que, de fato, ocorreu.
No entanto, o
suscitado, considerando que seu título fora emitido anteriormente àquele outro
de terceiro (agrotec) requereu à suscitante fosse invertida as prioridades
ocorridas nos respectivos registros R-5 e R-6 da matrícula do imóvel gravado
com os ônus hipotecários.
Diante da negativa da oficiala em atender o
requerimento, promoveu-se, por provocação do interessado, a presente dúvida.
O suscitado, em
impugnação de fls. 10/12, reclama a não observação pelo CRI do princípio da
prioridade, consagrado pela ordem cronológica das permutações, sustentando que
a CPR apresentada para registro apenas fez menção que se tratava de hipoteca de
segundo grau, sem declarar expressamente a existência de hipoteca anterior.
Assevera, por fim, que
a menção de grau no documento é construção doutrinária e se mostra irrelevante
para a ordem do registro, devendo ser corrigida a inversão dos registros.
Junta documentos de
fls. 14/22.
Breve
relato, o Ministério Público emite o parecer seguinte.
Em linhas gerais, possui o procedimento de
suscitação de dúvida natureza eminentemente administrativa. Malgrado culmine o
rito procedimental com a declaração de procedência ou de improcedência, cediço
não possuir natureza de processo judicial.
Ademais, o procedimento
é originado em Cartório e enviado ao Juízo competente após solicitação do
requerente, de forma que o magistrado atua como órgão administrativo
hierarquicamente superior (corregedor). Neste aspecto, não possui o Oficial
interesse na contenda, ao contrário, apenas cumpre determinação legal,
inclusive, em favor do próprio apresentante.
Acrescenta-se que, no
âmbito da dúvida registrária, procedimento de rito sumaríssimo, cinge-se o
objeto à análise de suposta regularidade do ato a ser praticado pelo notário,
portanto, análise a priori de procedimento futuro.
Impende ressaltar,
portanto, que a dúvida, procedimento especial de jurisdição voluntária de
natureza administrativa, não se presta para o deslinde de questões de alta
indagação uma vez adstrita sua finalidade à perquirição das formalidades
extrínsecas do documento e, constatada a
existência de possíveis defeitos jurídicos a impedir o registro, inescusável a
suscitação de dúvida por parte do registrador, não satisfeita a exigência, a requerimento
do apresentante do título a fim de que submissa a matéria ao crivo da
autoridade judiciária, a esta incumbe prover a solução cabível. (art. 198 da
L.R.P).
De outro giro,
consabido que o interesse do notário advém das próprias atribuições inerentes
ao seu cargo, haja vista serem regidos os atos notariais pelo princípio da
veracidade registral, sob pena de responsabilização cível e criminal.
Assim pontuado, importa
analisar se o procedimento adotado pela oficiala suscitante no que tange a
ordem cronológica dos registros efetivados seguiu os ditames legais, sem ferir
o princípio da prioridade.
É certo que a legislação
permite que um mesmo imóvel seja dado em garantia de mais de uma dívida, desde
que com outro título constitutivo. Pode ser em favor do mesmo credor ou de
outro credor (artigo 1.476 do Código Civil). É possível, portanto, que o mesmo
imóvel seja gravado com várias hipotecas. Quando existe mais de uma hipoteca
formam-se graus diferentes. A primeira hipoteca será de primeiro grau, depois a
outra de segundo grau e assim por diante. Mesmo havendo muitos credores cada um
gozará do direito de preferência de acordo com o seu grau de hipoteca.
Impera observar que o
devedor, quando for constituir nova hipoteca sobre o mesmo imóvel, deve
mencionar a existência da hipoteca anterior sob pena de cometer crime de
estelionato (artigo 171 §2º, II do Código Penal).
Ademais, quando a
escritura de segunda hipoteca ou outro grau for levada a registro, e a
escritura de grau inferior ainda não foi registrada, o oficial de Registro de
Imóveis deve prenotá-la e sobrestar seu registro por 30 dias aguardando que o
credor anterior apresente seu título para registro. Esgotado este prazo sem que
a escritura de primeiro grau seja apresentada, a segunda será registrada e terá
preferência sobre a primeira, conforme norma do artigo 189 da lei 6.015/73.
Verifica-se, desta
forma, que a suscitante seguiu o procedimento imposto pela legislação, uma vez
que, ao constatar que CPR apresentada pelo suscitado indicava ser hipoteca de
segundo grau, efetivou a prenotação do título e sobrestou o procedimento pelo
prazo de trinta dias para que o interessado da hipoteca de primeiro grau
procedesse a sua inscrição.
O princípio da prioridade
invocado pelo suscitante está patenteado no artigo 182 da LRP e objetiva
impedir que a função registral se verifique de forma aleatória, devendo o
registrador observar rigorosamente a cronologia na ordem de apresentação do
título, pois o número do protocolo é o indicador da preferência do direito tutelado.
Deve ser observado nos
casos de multiplicidade de títulos e direitos contraditórios, devendo ser registrado
o que primeiramente foi apresentado, observando a preferência excludente, sendo
o segundo título recusado por incompatibilidade com o primeiro. Havendo compatibilidade
de igual natureza ou mesmo diversa, subsistirá o título que tiver sido
registrado em primeiro lugar.
Não se aplica à
hipótese suscitada, porquanto não há incompatibilidade entre os títulos, menos
ainda compatibilidade de igual natureza, haja vista a questão da graduação
hipotecária dos títulos emitidos.
Ademais, à hipótese
está disciplinada nos artigos 188 e 189 da LRP.
Art. 188 -
Protocolizado o título, proceder-se-á ao registro, dentro do prazo de 30
(trinta) dias, salvo nos casos previstos nos artigos seguintes.
Art. 189 -
Apresentado título de segunda hipoteca, com referência expressa à existência de
outra anterior, o oficial, depois de prenotá-lo, aguardará durante 30 (trinta)
dias que os interessados na primeira promovam a inscrição. Esgotado esse prazo,
que correrá da data da prenotação, sem que seja apresentado o título anterior,
o segundo será inscrito e obterá preferência sobre aquele.
Enfrentando
o tema, Ceneviva[1]discorre:
Esse
dispositivo configura hipótese de cotejo entre duas hipotecas. A lavrada em
segundo lugar é apresentada primeiro a registro, trazendo menção expressa da
que a antecedeu. A exceção aberta pelo artigo não diz respeito ao lançamento no
protocolo, mas ao registro; altera a regra de preferência. O ônus hipotecário,
que a segunda escritura menciona, impõe ao oficial que a sobreste no registro.
Para tanto deve existir efetiva referencia, num titulo, de que a hipoteca
anterior foi avençada, garantindo direito real sobre o mesmo imóvel alheio. A
menção constante da escritura deve ser clara, porque nela se configura direito
pessoal que adquire realidade quando transposta para o registro de imóvel.
Indicada tal espécie de direito anterior, embora ainda de natureza pessoal, há
repercussão na registrabilidade da segunda hipoteca, a ser vista
restritivamente: o oficial não pode tirar inferência que não conste do próprio
titulo e nele manifestada com clareza.
Por fim, o mencionado
autor, esclarecendo sobre os efeitos produzidos caso ocorram as situações
previstas no artigo 189, da LRP, assevera que não apresentado o titulo, no
prazo legal, será feito o registro do segundo ônus, em primeiro lugar; mas, se
porventura, o outro fora apresentado, ainda assim será possível o registro, mas
em segundo lugar[2].
Isto posto, o
Ministério Público do Estado de Goiás, manifesta-se no sentido de ser
desacolhida a dúvida apresentada pela Oficiala, porquanto a mesma observou de forma escorreita a legislação
específica, devendo ser mantida todas as providencias adotadas pela diligente
servidora.
Quirinopolis, 07 de
janeiro de 2014.
Angela Acosta Giovanini
de Moura
- promotora de justiça-
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