segunda-feira, 6 de junho de 2011

Furto Tentado- Crime Impossivel- Arquivamento do Inquérito Policial

INQUÉRITO N. 200900004538
INDICIADO :- XXXXXXXXXXXXXX



 

FURTO – TENTATIVA – PRESENÇA DE SEGURANÇA MONITORANDO O INDICIADO DURANTE TODA A AÇÃO – CRIME IMPOSSÍVEL-TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA- AUSENCIA DE CRIAÇÃO DE UM RISCO AO BEM JURIDICO TUTELADO -PROMOÇÃO PELO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL.


 


Meritíssimo Juiz:-


Trata-se de inquérito policial instaurado contra xxxxxxxx, preso em flagrante delito no dia 30/12/08, por policiais militares em razão do mesmo ter adentrado o supermercado XXXXX , nesta cidade, e subtraído , para si, um alicate da marca Tramontina .
Segundo consta das declarações da testemunha  YYYYYY, vigilante do estabelecimento da empresa vítima, o indiciado apoderou-se do objeto mencionado e o colocou na cintura, sendo filmado pelo sistema de monitoramento do estabelecimento, oportunidade em que a testemunha, mantendo vigilância constante sobre o indiciado, aguardou sua saída do do estabelecimento e, na calçada, deu voz de prisão ao mesmo.
Embora estivesse o indiciado agindo impulsionado pelo  animus furandi, decorre dos autos investigatórios que, desde o início da atuação delitiva, o mesmo estava sendo observado e controlado pelo segurança do estabelecimento, o que tornou absolutamente ineficaz o meio empregado no apossamento da res.
O art. 17 do Código Penal assim dispõe:

"Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime."

 O indiciado não teve a posse tranqüila da coisa furtada , requisito indispensável para a consumação do crime. O segurança do supermercado , que por todo tempo o vigiava, escolhendo o momento exato da abordagem , deteve total vigilância sobre a coisa que se pretendia furtar, o que tornou absolutamente ineficaz o meio empregado pelo agente para o êxito da empreitada.
Forçoso reconhecer a hipótese da tentativa impunível, nos termos do art. 17 do Código Penal, pois, diante das circunstâncias que envolveram o fato, ao indiciado seria impossível consumar o crime.
Hoje, adotada a teoria da imputação objetiva, torna-se claro o fundamento da atipicidade do crime impossível.
Imputação objetiva é a atribuição a alguém da realização de uma conduta criadora de um risco relevante e juridicamente proibido a um interesse penalmente protegido, resultando um evento jurídico (resultado normativo).
Fala-se em imputação objetiva da conduta e imputação objetiva do resultado. No primeiro caso, o comportamento existe, mas é afastada a tipicidade por ausência de criação de um risco ao bem, ou, presente o risco, ele não se mostra relevante ou juridicamente proibido, ou não se converte em resultado jurídico. Na segunda hipótese, o resultado jurídico existe, mas sua tipicidade é afastada em razão de não ser relevante ou juridicamente proibido, ou, ainda, por não se conformar ao risco causado pelo autor.
Como ensina Damásio Evangelista de Jesus , "a primeira característica que deve apresentar um comportamento para que seja possível a imputação é que se trate de um atuar perigoso, que crie um determinado grau de probabilidade de lesão do bem protegido"   (Direito Penal, 1º vol, pag. 283).
Sobre o tema , Luis Greco (Um Panorama da Teoria da Imputação Objetiva, Ed Lumem Juris, pag. 21, assevera:-
 “ Um dos elementos da imputação objetiva é um comportamento criador de um risco relevante e juridicamente não permitido ao bem jurídico (desvalor da ação). Não basta a conduta, sendo necessário que crie perigo duplamente qualificado ao bem jurídico. Ausente o risco, o comportamento é atípico. Não há, então, imputação objetiva da conduta.
 “Não é suficiente a criação do risco. É necessário que, no caso concreto, ele se converta num resultado jurídico (afetação jurídica potencial ou efetiva do interesse). É preciso, pois, que haja um interesse e que este seja afetado.”
Destarte, segundo o professor Damásio ( ob.cit.) “ no crime impossível pela inidoneidade absoluta do meio executório, embora o objeto jurídico exista, não há criação de risco. Logo, não há imputação objetiva da conduta.Não há falar-se em tentativa, uma vez que ela exige um elemento objetivo: o perigo para o bem penalmente tutelado. Trata-se de um risco objetivo e real, advindo desta circunstância o conceito de idoneidade. Se a conduta não possui idoneidade para lesar o bem jurídico, não constitui tentativa. E não há tentativa por ausência de imputação objetiva da conduta.”
Adotando postura semelhante, colhe-se da doutrina de André Luís Callegari, em matéria publicada no Boletim do IBCCRIM, São Paulo, n. 69, ago.1998, sob o titulo “Crime impossível - furto em estabelecimento vigiado ou com sistema de segurança.”
A propósito :-
 “Com a adoção da teoria objetiva pelo nosso Código Penal, deve-se avaliar melhor algumas condenações por tentativa de furto em estabelecimentos comerciais (lojas, supermercados,etc.) em que o agente desde o início de sua conduta é previamente vigiado, sendo detido quando procura se retirar do local sem efetuar o pagamento. Hipótese também a ser verificada é dos estabelecimentos comerciais que possuem sistema de alarme por etiqueta magnética, que dispara quando o agente tenta sair do local levando as mercadorias sem a retirada da etiqueta e, conseqüentemente, sem pagá-las.Parte da jurisprudência fundamenta as condenações por tentativa de furto baseada em fatores como: vontade do agente contrária ao Direito e início da execução do fato que não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Acrescentam, ainda, que o bem jurídico tutelado foi posto em perigo diante da conduta do agente.
Com a adoção da teoria objetiva, deve-se levar em conta quais os requisitos para o reconhecimento da tentativa inidônea, é dizer, se nos casos em que o agente é previamente vigiado, fato que inviabilizará o cometimento do delito, estaremos diante da tentativa ou da hipótese de crime impossível.”
Mais adiante segue o autor sustentando que o merecimento da pena da tentativa , sob a ótica da teoria de Roxim, não repousa somente na colocação em perigo do objeto da ação protegido pelo tipo, posto que o dolo é igual por natureza em todas as fases do fato (preparação, execução e consumação), de sorte que a delimitação da tentativa frente a ação preparatória busca-se no âmbito objetivo. A seu teor, a razão jurídica da punibilidade da tentativa não está na vontade do autor, senão no perigo próximo da realização do resultado típico. Assim, a tentativa se castigaria pela elevada probabilidade da produção do injusto do resultado.
Entretanto, dado que esta probabilidade só se pode afirmar, por princípio, com o início da execução e unicamente quando a ação da tentativa for inidônea, a teoria objetiva leva a restrição da punibilidade da tentativa frente a ação preparatória e afasta a punibilidade da tentativa absolutamente inidônea.
Nessa mesma linha de argumentação, já se encontra julgados reconhecendo a tentativa inidônea (crime impossível) naquelas situações em que a mercadoria do estabelecimento comercial encontrasse com mecanismo magnético que faz disparar o sistema de proteção quando não retirado o dispositivo. É que em tais casos o meio utilizado pelo agente, por exemplo, ocultar a mercadoria sob as vestes ou numa bolsa, é absolutamente ineficaz para a consumação do delito, isso porque ao tentar se retirar do estabelecimento acionará o sistema de alarme.
Nesse sentido já houve decisão do TACrim/SP, em que foi relator o juiz Geraldo Gomes, ficando consignado que "se a res que o acusado pretendia furtar estava protegida por um sistema de alarme, tornando absolutamente ineficaz o meio por ele empregado para subtraí-la tem-se, na espécie, autêntica tentativa impossível"  (RT 545/375).
Colhe-se ainda daquele Pretório que "se o fiscal do estabelecimento acompanha 'ab initio', em estabelecimento comercial, apoderamento de mercadoria de escasso valor com pagamento tão‑só parcial quando da passagem pela caixa, tornando impossível a consumação do crime, a situação se equipara à de um flagrante preparado, autorizando‑se a absolvição da ré" (JUTACRIM 57/276).
Na mesma linha, restou decidido que, "se o agente foi observado o tempo todo pelos agentes de segurança do estabelecimento comercial para a sua detenção, tal vigilância tornou impossível a real consumação do crime" (RJDTACRIM 30/112, Rel. Breno Guimarães).

Ainda o Tribunal Paulista :-

CRIME IMPOSSÍVEL - Conduta do agente da subtração presenciada desde o início pelo fiscal do estabelecimento-vítima, que só aguarda o momento da sua saída para prendê-lo e recuperar os bens - Caracterização - Furto tentado - Inocorrência: - Caracteriza-se crime impossível, e não tentativa de furto, quando a conduta do agente da subtração é presenciada desde o início por fiscal do estabelecimento-vítima, que só aguarda o suposto infrator sair do supermercado para prendê-lo e recuperar as coisas que tentava subtrair, uma vez que, durante todo o tempo, os bens permaneceram protegidos e sob vigilância constante, tornando absolutamente ineficaz o meio empregado, impedindo-se, assim, a real consumação do delito, sendo certo ainda que tal situação equipara-se à de um flagrante preparado, autorizando-se a absolvição do réu. Apelação nº 1.231.127/3 - São Bernardo do Campo - 10ª Câmara - Relator: Breno Guimarães - 14/3/2001 - V.U. (Voto nº 5.463)                        
FURTO - Agente que, ao subtrair CDs, colocando-os "dentro da calça", é surpreendido por Agentes de Segurança da empresa-vítima, que observavam toda a conduta - Crime impossível - Ocorrência: - Ocorre crime impossível na hipótese em que o agente, ao subtrair CDs, é surpreendido colocando-os "dentro da calça", uma vez que o objeto material não corria risco de lesão, posto que jamais saiu da esfera de proteção da empresa-vítima, na medida em que observada toda a conduta pelos Seguranças do estabelecimento. * Apelação nº 1.228.561/4 - São Paulo - 3ª Câmara - Relator: Lagrasta Neto - 16/1/2001 - M.V. (Voto nº 8.999)

O Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, por suas Câmaras Criminais, vem decidindo reiteradamente nesse sentido. Assim a ementa de acórdão em que foi relator o eminente juiz Paulo Moacir Aguiar Vieira: "Tentativa de furto em supermercado. Crime impossível. Vigilante que controla desde o início todos os movimentos da ré, apreendendo a mercadoria e detendo a acusada quando essa procurava se retirar sem efetuar o pagamento. O pleno sucesso da ação preventiva de proteção ao patrimônio contrasta com a inidoneidade do meio empregado pela ré para lograr o propósito delituoso (art. 17 do CP). Absolvição por ser o fato penalmente irrelevante"  (Ap. Crim. nº 295.014.104, 2ª CCrim., TARGS.)
 Assim, ainda que tais decisões despertem a atenção de alguns setores da doutrina, norteiam-se pelos critérios mais modernos do Direito Penal, pois que não se desvalora somente a ação contrária ao direito, mas, também, o resultado. Portanto, nos casos em que efetivamente o bem jurídico protegido não foi posto em perigo, não há como punir a tentativa, devendo-se reconhecer o crime impossível.

Isto posto, promovo o arquivamento das presentes peças investigatórias , requerendo a imediata soltura do indiciado.


3 comentários:

  1. MUITO BOM O MODELO DE ARQUIVAMENTO
    PARABENS

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  2. Anônimo
    Perfeito... estes estabelecimentos comerciais precisam mesmo é preparar seus funcionários no sentido de evitar tanto serviço desnecessário à Justiça que tem tantos crimes de verdade e sérios para investigar e julgar. Evite a consumção, evite constragimentos, converse educadamente com um suspeito e evite tantos problemas. Afinal fiscais tem que estar cirulando dentro dos estabelecimentos e não ficar observando o passo a passo, aguardando pacientemente a consumação e abordar. Quem tem Deus na vida ajuda a quem quer que seja, em qualquer que seja a situação e, não espera a tragédia acontecer para ir lá e iniciar um condenação injusta de um CRIME PROVOCADO.

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