O Segundo Relatório de Avaliação do
IPCC, publicado em 1996, confirmou as previsões de que o aquecimento já
verificado, entre 0,3 e 0,6 graus
Celsius, desde o final do Século XIX, resultou da ação humana, solidificando a
credibilidade das previsões enunciadas anteriormente. O relatório forneceu a
base científica para as negociações do Protocolo de Quioto, durante a terceira
Conferências das Partes, em 1997, sendo fundamental para persuadir os Países a
firmarem um acordo legal com estabelecimento de metas obrigatórias de redução
global de emissões para as Partes-Anexo I (SANTOS, 2008, p. 30).
Reportando-se ao segundo Relatório do IPCC,
que impulsionou o Acordo em Quioto, Marques (2007, p 132) assevera que
Enquanto o relatório reconhecia a
importância e a gravidade que o problema do efeito estufa tem sobre o clima,
fazendo recomendações genéricas no sentido de reduzir esses efeitos, o
Protocolo de Quioto estabeleceu os limites das emissões e um calendário para
que os limites sejam cumpridos.
A COP-3 foi realizada na cidade de Kyoto, no
Japão, em 1997, com a participação de 160 países e União Europeia e, após
intensas negociações, foi assinado o Protocolo de Quioto, estabelecendo metas
quantitativas de redução de emissão de GEE – e mecanismos adicionais de implementação
para que essas metas sejam atingidas – para os 38 países do Anexo B durante o
período de 2008-2012, período em que deve vigorar o Tratado (ARATANGY, 2007, p.
61).
Embora formado em 1997, o Protocolo de Quioto
somente entrou em vigor em fevereiro de 2005, depois que a Rússia depositou seu
instrumento de ratificação no mesmo ano, cumprindo-se, assim, o artigo 25 do
documento que exigia a ratificação de pelo menos 55 partes da Convenção do
Clima.
Ressalta-se que nem todos os países
integrantes da Convenção do Clima ratificaram o Protocolo de Quioto. Os Estados
Unidos, maior emissor de dióxido de carbono do mundo, negaram-se a ratificá-lo sob o argumento de que a implantação
das metas prejudicaria a economia do país. Na ocasião, o presidente George W. Bush,
reconhecendo a hipótese do aquecimento global, sustentou que enfrentaria o
problema estimulando ações voluntárias por parte das indústrias poluentes, além
de buscar novas soluções tecnológicas (FURLAN, 2010, p. 51). Outro argumento
apresentado pelos EUA para se furtarem ao acordo foi a falta de exigência de
metas de redução das emissões de GEE para os países em desenvolvimento, como o
Brasil, China e a Índia (CASARA, 2007, p. 133).
No ano de 2009, meses antes de participar da
COP em Copenhagen, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, encaminhou ao
Senado um projeto de lei sobre o
aquecimento global, cumprindo a palavra empenhada à comunidade
internacional de que os EUA aprovariam uma legislação rigorosa sobre o tema, prevendo a redução das emissões de
dióxido de carbono e outros gases poluentes de efeito estufa.
A resistência dos líderes no Senado em apoiar
a legislação, no entanto, está relacionada à falta de previsão, no Protocolo de
Quioto, de mecanismos de punição
a todos os países que emitem grandes quantidades de gases de efeito estufa,
como as potências econômicas emergentes lideradas por China e Índia, caso estes
não procedam a cortes de emissões (REVKIN, 2009).
O texto do acordo de Quioto é composto de um
breve preâmbulo e 28 artigos. No preâmbulo, as Partes do Protocolo (que são
obrigatoriamente Partes da Convenção do Clima) afirmam agir em conformidade com
as disposições da Convenção e do Mandato de Berlim, adotado na COP 1.
A preocupação com as futuras gerações
fundamentou os princípios delineados no Protocolo de Quioto que, segundo
observa Mascarenhas (2009, p. 42), estabeleceu às partes a obrigação de
implementar planos de ações na ordem interna almejando a redução dos GEE e
“cujo objetivo é a estabilização das concentrações de gases de efeitos estufa
na atmosfera em um nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no
sistema climático”.
O
Artigo 3 do Protocolo, em seu primeiro parágrafo, especifica as metas e o
período no qual os países do Anexo I deverão atingir tais metas:
As Partes incluídas no Anexo I devem,
individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas,
expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa
listados no Anexo A não excedam suas quantidades atribuídas, calculadas em
conformidade com seus compromissos quantificados de limitação e redução de
emissões descritos no Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com
vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento
abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012 (BRASIL,
2004, p. 19).
O Decreto nº 5.445, de 12 de maio de 2005, que
promulgou o protocolo de Quioto reiterando o texto original do tratado,
salienta que o Anexo A do Protocolo de Quioto elenca os seis gases do efeito estufa (dióxido de carbono –
CO2, metano – CH4, monóxido de carbono – CO, óxido
nitroso – N2O, outros óxidos de base nitrogenada – NOx e
hidrocarbonos não metanos – HCNM), cujas emissões devem ser reduzidas. O Anexo B, por outro lado, reúne os
países e a Comunidade Europeia compromissados a reduzir as emissões de gases
poluentes.
As Partes, guiadas pelo princípio das
responsabilidades comuns, porém diferenciadas, empenharam-se na elaboração de
políticas públicas de combate às mudanças do clima, do uso eficiente da
energia, de mitigação das emissões de gases de efeito estufa e de promoção do
desenvolvimento sustentável (MOREIRA, 2009, p. 65).
Mecanismos de flexibilização
Para
garantir a efetividade do acordo de Quioto foram definidos mecanismos de
flexibilização para possibilitar aos
países industrializados reduzir suas emissões sem comprometer o próprio
desenvolvimento (SISTER, 2008, p. 9-10). São eles: Implementação Conjunta (Joint
Implementation), Comércio de Emissões (Emissions Trade) e Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (Clean Development Mechanism).
A implementação conjunta, prevista no artigo
6º, destina-se aos países industrializados do Anexo I. Trata-se de um acordo bilateral para a realização de
projetos de mitigação de GEE e objetiva a contabilização de reduções
líquidas de emissões de gases com execução de projetos entre países do Anexo I
(SEIFFERT, 2009, p. 58).
Para tanto, o Protocolo de Quioto exige que
(BRASIL, 2005):
Artigo 6º
1 [...]
(a)
O projeto tenha a aprovação das Partes envolvidas;
(b)
O projeto promova uma redução das emissões por fontes ou um aumento das remoções
por sumidouros que sejam adicionais aos que ocorreriam na sua ausência;
(c)
A Parte não adquira nenhuma unidade de redução de emissões se não estiver em
conformidade com suas obrigações assumidas sob os Artigos 5 e 7; e
(d)
A aquisição de unidades de redução de emissões seja suplementar às ações
domésticas realizadas com o fim de cumprir os compromissos previstos no Artigo
3.
Assim, um país do Anexo I que “tenha
desenvolvido uma tecnologia mais limpa pode investir em outro país de seu bloco
(Anexo I) e contabilizar essas reduções, pois tais projetos dão lugar à
aquisição de créditos de emissão” (FURLAN, 2010, p. 54). Os créditos oriundos
de um projeto de Implementação Conjunta são nominados de Unidade de Emissões
Reduzidas (Emission Reduction Units),
que corresponde a uma tonelada de carbono equivalente.
O Comércio de Emissões, artigo 17,
possibilita aos países do Anexo I, que reduzirem suas emissões de GEE abaixo do
limite estabelecido, negociar este excesso, vendendo os créditos excedentes
para os países, também do Anexo I, com dificuldades em alcançar suas metas,
independentemente de realizar projetos em conjunto; essa comercialização, no
entanto, deve ser acompanhada de esforços domésticos para redução de emissões
(SABAG, 2009, p. 35).
O Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo – MDL, previsto no artigo 12, é o único instrumento de
flexibilização estabelecido no Protocolo que permite a cooperação entre Partes
Anexo I e Partes não Anexo I, possibilitando aos países industrializados
cumprirem seus compromissos de redução, investindo em projetos que evitem
emissões dos gases causadores do efeito estufa nos países em desenvolvimento,
desde que fomentem o desenvolvimento sustentável no país receptor (SISTER,
2008, p. 12-13).
O propósito do
mecanismo é a mitigação de gases de efeito estufa em países em desenvolvimento,
na forma de sumidouros, o investimento em tecnologias mais limpas, a busca pela
eficiência energética e fontes alternativas de energia, devendo os projetos de
MDL, necessariamente, promover o desenvolvimento sustentável dos país
hospedeiro (SEIFFERT, 2009, p. 50-51).
Os projetos
implementados no âmbito do Protocolo de Quioto, por meio de qualquer dos
mecanismos de flexibilização, geram créditos de carbono que podem ser
utilizados para complementar as metas de reduções dos países do Anexo I
(FURLAN, 2010, p. 55).
O funcionamento do
MDL foi discutido na COP-7, em 2001, e definido pela decisão de número 17,
resultando no Acordo de Marrakesh que introduziu o artigo 12 do Protocolo de
Quioto. Na oportunidade, também foi definida a elegibilidade das atividades de
uso da terra, a mudança no uso da terra e florestas no âmbito do MDL, que deve
limitar-se ao florestamento e ao reflorestamento.
O Artigo 12, parágrafo 5º, do Protocolo de
Quioto estabelece que as reduções de emissões resultantes de cada atividade de
projeto devem ser certificadas por entidades operacionais a serem designadas
pela Conferência das Partes, as quais devem estar sob a supervisão rigorosa do
Conselho Executivo (BRASIL, 2005).
Os requisitos para a certificação das
reduções de emissões dos gases de efeito estufa exigem a observância da
participação voluntária das partes envolvidas, devendo apresentar vantagem para
ambas, além de propiciar o desenvolvimento sustentável do país receptor do
projeto (BRASIL, 2005).
As partes devem designar uma autoridade
nacional no país hospedeiro, responsável pela avaliação e aprovação do projeto.
No Brasil, a autoridade responsável para aprovação de projetos, no âmbito do
Protocolo de Quioto, é a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima,
criada pelo Decreto de 7 de julho de 1999 (BRASIL, 1999).
O projeto também deve representar benefícios
reais, mensuráveis e de longo prazo eficazes na mitigação do clima, promovendo
a redução da emissão antropogênica de GEE ou a criação de sumidouros,
devidamente certificados por uma entidade operacional designada pela
Conferência das Partes (BRASIL, 2005).
Os resultados positivos para a mitigação do
fenômeno do aquecimento global a serem promovidos pelo projeto devem ser
adicionais àqueles que ocorreriam na sua ausência (BRASIL, 2005).
O requisito da adicionalidade para a
certificação de um projeto no âmbito do MDL tem despertado discussões quando a
legislação interna de um país hospedeiro exige a redução das emissões de GEE ou
a obrigação legal de preservação de sumidouros, como é o caso, no Brasil, da
obrigação legal dos proprietários rurais em manter a reserva legal florestal,
prevista NA Lei 12.651/2013.
Precisamente, aclara Furlan (2009, p. 62) que
a falta de recursos dos países em desenvolvimento para implementar projetos de
proteção ambiental que exigem grandes investimentos deve ser considerada quando
da análise do requisito da adicionalidade de um projeto, mesmo diante da
pré-existência de lei interna no país hospedeiro, exigindo a redução de emissão
antropogênica de gases poluentes ou determinando a conservação de sumidouros.
Interessante anotar, neste ponto, que a Lei
12.651/2013 criou o instituto das áreas rurais consolidadas como sendo aquelas
com ocupação antrópica preexistente até 22 de julho de 2008, com edificações,
benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris. Nestas áreas, de acordo com a
legislação, não será exigido a reserva legal, o que permitirá a recepção de
projetos de reflorestamento com objetivo de
promover o sequestro de carbono da atmosfera, por representar adicionalidade.
Por fim, o
Protocolo considera mais uma modalidade convencional de flexibilização, já
prevista na Convenção, denominada Bolha, para países industrializados, onde a
redução de emissões geradas será considerada por um agrupamento de fontes em
uma área comum, como se houvesse uma bolha gigante os envolvendo (BRASIL, 1999,
p. 35). Os países da bolha devem dividir as responsabilidades de acordo com as
circunstâncias de cada país e segundo acordos entre as partes envolvidas. A
União Europeia é o único grupo de países que criou uma bolha.
O primeiro período
do protocolo de Quioto terminou em 2012, tendo as partes se reunido na COP 17,
em Durban. A COP 17 culminou com o estabelecimento de decisões previstas na
Plataforma de Durban, onde o consenso determinou a prorrogação do protocolo de
Quioto para um segundo período, iniciando-se em 2013, prorrogando-se até 2020,
conforme decisão da COP 18, realizada em novembro de 2012, em Dhoa, Catar.
Por ocasião da COP
17 foi estruturado o Fundo Climático Verde das Nações Unidas para socorrer as
nações mais vulneráveis com as alterações climáticas, o qual contará com um
conselho formado por 4 membros, incluindo representantes de países ricos e
pobres, que se reunirá periodicamente para administrar o Fundo e decidir sobre
projetos que poderão acessar os recursos. As duas primeiras reuniões ocorreram no
ano de 2012 na Suíça e na Coreia do Sul, com perspectiva de se canalizar até
US$ 100 bilhões por ano em financiamentos até 2020 para ajudar países em
desenvolvimento a se adaptarem às mudanças climáticas.
O Fundo,
alimentado pela doação de países desenvolvidos e de outras fontes alternativas,
destina-se a atender duas modalidades principais de financiamento: adaptação e
mitigação. Outras atividades, como capacitação de grupos da sociedade civil e
transferência de tecnologias, também poderão ser contempladas. A gestão dos recursos
ficará sob a responsabilidade do Banco Mundial e da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Os problemas do
Protocolo ainda prosseguem e são de várias ordens. O principal refere-se à
recusa dos Estados Unidos em ratificar o acordo, levando a Europa a suportar
sozinha o ônus do aquecimento. No entanto, a crise econômica que aflige a
Europa poderá desestimular os mercados verdes, atualmente os maiores
investidores em créditos de carbono.
Ademais, o
surgimento de economias emergentes, como China, Índia e Brasil, grandes
emissoras de gases poluentes e não contempladas por Quioto, apresenta-se como forte ponto de tensão.
Por outro lado, durante
a COP 18, Rússia, Canadá e Nova Zelândia retiraram seu apoio para a segunda
fase do protocolo, que se iniciou em janeiro deste ano. Ficou acordado entre as
partes a possibilidade de se fazer um novo tratado para substituir o Protocolo
de Quioto após 2020. Essa proposta será discutida em 2015 e, segundo
especialistas, somente haverá avanço se os planos de redução forem mais
ambiciosos e os demais países tiverem que acatá-los.
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