quarta-feira, 4 de julho de 2012

A RESERVA LEGAL FLORESTAL - Perspectiva histórica

A exploração das florestas brasileiras seguiu a dinâmica ditada pelas práticas mercantilistas que encontravam, na exploração da Colônia, meios de fomentar lucros para a Metrópole. A exploração do pau-brasil foi a primeira atividade econômica empreendida pelos portugueses em território brasileiro, durante o pacto colonial, e foi concedida em 1503, mediante pagamento de tributos à coroa, ao comerciante português Fernão de Noronha. Extraída de forma predatória por mais de três séculos, a atividade comprometeu consideravelmente a mata atlântica, além de ameaçar a extinção da espécie nas florestas brasileiras (COTRIM, 2002, p.195).
Embora o direito lusitano, em período anterior ao descobrimento do Brasil, já trouxesse em seu arcabouço legal norma voltada para a proteção ambiental (ANTUNES, 1996, p. 194), a atividade madeireira na Colônia somente foi disciplinada com o propósito de evitar o contrabando do pau-brasil por franceses, holandeses e portugueses (SIRVINSKAS, 2009, p. 26), que devastaram o litoral brasileiro para a exploração ilegal da madeira.
A devastação na Mata Atlântica para a exploração do pau-brasil e outras espécies madeireiras deu-se de forma acelerada, tendo em vista a falta de fiscalização no litoral brasileiro e os lucros atraentes que o comércio da madeira propiciava. Calcula-se que dois milhões de árvores tenham sido derrubadas noprimeiro séuclo de exploração, o que corresponde a seis mil km2 da Mata Atlantica ( Dean, 1996, p. 64-65).
Comentando o tema, Lima (2009, p. 52) assinala que a exploração indiscriminada do pau-brasil nas matas brasileiras deu origem ao estabelecimento do estanco por parte da Coroa lusitana, com o propósito de limitar sua exploração, evitar o contrabando e proteger as matas litorâneas, onde essa espécie se concentrava, garantindo, assim, a rentabilidade com o comércio da madeira.
Assim, com as ordenações manuelinas, em 1548, o uso do pau-brasil passou a ser de exclusividade da Coroa. Em 1605, durante o reinado de Felipe II, por ocasião das Ordenações Filipinas, a exploração do pau-brasil foi objeto de disciplina legal, materializada no documento Regimento do Pau-brasil, em 12 de dezembro de 1605 (MONTEIRO, 2011, p.1). Referidos documentos foram elaborados com o propósito econômico proporcionado pelo recurso florestal e com o objetivo de garantir matéria-prima para a frota naval portuguesa (MAGALHÃES, 1998, p. 26).
Segundo Optiz & Optiz ( in FREITAS, 2010, p. 236) os propósitos do Regimento nº 1605, que conferia a propriedade do pau-brasil à Coroa Portuguesa, observa que ”não era do domínio do Estado somente o pau-brasil. Também lhe pertenciam outras madeiras, as destinadas para a construção de navios, que se chamavam madeiras reservadas, e designavam-se em relação a cada província.”
Pesquisando sobre os antecedentes históricos da legislação ambiental brasileira, Wainer (1999, p. 5) destaca a legislação portuguesa do período colonial aplicada ao Brasil, pontuando que ”sempre houve uma preocupação real com a proteção das riquezas florestais, especialmente motivada pela necessidade premente do emprego das madeiras para o impulso da almejada expansão ultramarina portuguesa”.
Dean (1996, p. 150), estudando a história da devastação da mata atlântica, considerou que o “interesse central da Coroa, essencial à defesa do império e ao aumento de seu comércio, era o suprimento de madeiras para embarcações”.
Segundo Antunes (1996, p. 195), o período imperial foi permeado pela edição de documentos legais disciplinando o corte do pau-brasil e outras madeiras, com previsão de reserva de cota parte de toda floresta em solo brasileiro, declarada de propriedade exclusiva da coroa portuguesa. Referidas disposições, materializadas em Cartas Régias, Alvarás, Ordenações e outros documentos, guardavam a ideia da reserva legal florestal atual, embora de forma embrionária. Em 1799 surgiu o primeiro Regimento de Cortes de Madeiras. Em 1802 foram editadas recomendações para o reflorestamento da costa brasileira, “determinadas por José Bonifácio de Andrada e Silva, que ocupava o cargo de Intendente Geral das Minas e Metais do Reino.” (WAINER, 1995. p. 45).
No início do período republicano, o primeiro Código Florestal, aprovado pelo Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, objetivando conter o desmatamento no Brasil, impôs limite ao direito de exploração total da propriedade ao proibir a derrubada da quarta parte da vegetação existente na propriedade rural. De cunho conservacionista, divergindo dos documentos legais que o antecedeu, o Código Florestal de 1934 foi o primeiro documento que, protegendo vinte e cinco por cento da vegetação existente numa propriedade rural, concebeu a ideia da reserva legal (MILARÉ, 2009, p. 749) nos moldes adotados pela legislação atual.
Sobre a importância do Código Florestal no quadro normativo ambiental brasileiro, Leuzinger ( in SILVA; CUREAU; LEUZINGER , 2010, p. 254) assevera que:


O Código Florestal, desde sua primeira versão, consubstanciada no Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, expedido por Getulio Vargas, já consistiu em um enorme avanço em termos de proteção ao ambiente natural, em especial no que tange aos ecossistemas florestais. Espaços ambientais como as florestas protetoras e remanescentes conferiam um alto grau de proteção às áreas por elas abrangidas, além de ter sido instituída a proibição aos proprietários de “terras cobertas de matas” de abater mais de três quartas partes da vegetação existente em suas propriedades.


A obrigatoriedade de se reservar a vegetação nativa existente na quarta parte da área do imóvel permaneceu em vigor até a edição do novo Código Florestal, Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que reduziu a limitação anteriormente imposta ao direito de propriedade, estabelecendo a obrigação de se preservar vinte por cento da área da propriedade com cobertura florestal (art. 16). Por outro lado, o novo documento ampliou a proteção ambiental ao estabelecer um percentual de cinquenta por cento para a Região Norte e para a parte norte da região Centro-Oeste, em razão do tipo de vegetação existente nessas regiões.
A legislação não permite a retirada da vegetação nativa da área protegida, mas permite sua exploração econômica, de acordo com critérios técnicos e científicos estabelecidos na legislação e aprovados pelo órgão ambiental competente. Introduzido pela Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, o manejo sustentável tem sido pouco utilizado pelos proprietários de terra, os quais preferem “aproveitar todas as possibilidades de produção econômica da propriedade rural”, conforme acentua Fisch (2010, p. 73).
Com o advento da Constituição Federal de 1988, ampliando a proteção ao meio ambiente ao obrigar a coletividade e o poder público à sua defesa e preservação, a disciplina adotada pelo então Código Florestal foi reforçada, sobretudo diante da disposição contida no artigo 225 da CF, parágrafo primeiro, inciso III, ao tratar dos espaços territoriais especialmente protegidos, cuja definição foi incumbida à legislação infraconstitucional (MACHADO, 2011, p. 843).
Comentando a Constituição Federal, Silva (2009, p. 713) acrescenta:
Espaços territoriais especialmente protegidos são áreas geográficas públicas ou privadas (porção do território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse publico que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteção ao processo evolutivos das espécies, a preservação e proteção de seus recursos naturais.
No ano seguinte à promulgação da Constituição Federal, a edição da Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989, alterou o Código Florestal e introduziu o termo ‘reserva legal’ à ordem jurídica, bem como inseriu a obrigatoriedade de sua averbação à margem da inscrição da matrícula do imóvel, além de proibir a alteração de sua destinação nos casos de desmembramento da área ou nos casos de transmissão a qualquer título.
A década de noventa registrou uma série de medidas provisórias que alteraram a dimensão e abrangência da reserva legal e a falta de consenso entre os diversos atores envolvidos com o tema levou à reedição daqueles instrumentos legais por 67 vezes, de julho de 1996 a agosto de 2001 (OLIVEIRA; BACHA: 2003, p. 189).
Com a edição da Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, formatou-se a versão do instituto, caracterizado como um instrumento legal de gestão ambiental para a preservação e conservação da biodiversidade.
O novo Código Florestal, lei 12.651, de 25 de maio de 2012, mantém o conceito e objetivos da reserva legal consolidados pelos instrumentos legais anteriores.
No âmbito do estado de Goiás, a reserva legal, seguindo as regras do Código Florestal brasileiro, está disciplinada pela Lei nº 12.596, de 14 de março de 1995, que instituiu a Política Florestal do Estado de Goiás, sendo regulamentada pelo Decreto nº 4.593, de 13 de novembro de 1995, que sofreu modificações em 03 de abril de 2001 pelo Decreto nº 5.392.