A cobertura vegetal
do bioma Cerrado
atingia 97% do território do estado de Goiás, encontrando- se, atualmente, reduzida a 30%, em razão da ocupação antrópica
que se intensificou a partir da década de
1930, quando políticas de estímulo à ocupação do território (Centro-Oeste e Norte do país) foram efetivadas
estrategicamente pelo governo militar (SILVA; FERREIRA, 2011, p. 130).
A ocupação do território goiano,
em específico, foi deflagrada com a política de integração do Estado
Novo1 por meio da
Marcha para o Oeste, que visava à “expansão brasileira dentro de suas
fronteiras e recolocava o problema
da mão-de-obra necessária à coordenada conquista do interior do país” (PANDOLFI,1999, p. 69).
O estado de Goiás figurou na
agenda política do governo Vargas como prioridade
nacional. A ocupação da região fazia parte de um projeto que buscava articular as regiões produtivas do estado e sua
aproximação aos grandes centros urbanos. A modernização da região e a expansão
da economia agrícola seguiu o ritmo de produção capitalista que se instalara no País (OLIVEIRA; CHAVEIRO; OLIVEIRA, 2009, p. 228).
Com o fim do Estado Novo, em 1945, marcado pela derrocada do regime implantado
por Getúlio Vargas,
o processo de ocupação e devastação do Cerrado se acelerou, sobretudo com a
previsão, na Constituição de 1946, da mudança
da Capital do Brasil e sede do Governo Federal
para a região Central, no Distrito
Federal (MACIEL, 2008, p. 48).
O tema é enfrentado
por Silva (2005, p. 75):
A construção de Brasília na década de 50, a nova capital, cravada no estado de Goiás, foi outro fator importante para a ocupação
do Cerrado, pois incrementou a rede de estradas para a região, trazendo
grande fluxo de população para a região
e abrindo mercados
para os produtos agrícolas e
para o gado.
O processo de ocupação do território,
assim – frisa-se – foi determinado por políticas ininterruptas de expansão de
fronteiras, como a Marcha para o Oeste e os projetos da Fundação Brasil Central
(SAWYER; LOBO, 2008, p. 1156), sendo impulsionado
pela construção de Goiânia e Brasília. O fluxo da população para a região aumentou consideravelmente com a implantação de uma infraestrutura de transporte, ligando
Brasília às demais capitais do país.
Os impactos negativos
ao bioma Cerrado ficaram
evidenciados pelas “invasões
de APPs, criação de condomínios
irregulares, imensas voçorocas em áreas rurais, destruição de nascentes e
comprometimento do leito de muitos rios [...]” (NOVAES apud MACIEL, 2008, p. 49).
Na década de 1970, “a expansão da fronteira agrícola
inseriu o Cerrado
no cenário nacional
de produção agropecuária com alto grau de mecanização” (SANTOS; FERREIRA, 2009, p. 7), haja vista as
facilidades de se obter linhas
de crédito por meio do plano nacional
de desenvolvimento, para impulsionar
as atividades agrárias (MACIEL, 2008, p. 53).
A intensificação da agricultura e a abertura
para o mercado externo exigiram
o aperfeiçoamento de tecnologia científica, sobretudo na região do Cerrado,
onde o solo se apresentava empobrecido, necessitando de correção.
Surgiu, então, a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), cuja contribuição “foi determinante
para a transformação do Cerrado como nova fronteira agrícola” (SILVA,
2005, p. 75).
Com efeito, a tecnologia implementada pela EMBRAPA foi decisiva
para o enriquecimento do
solo na região:
Ao contrário de muitas regiões
no mundo, em que o estabelecimento da agricultura
deu-se em locais onde a fertilidade natural dos solos permitia a capitalização
inicial dos agricultores, no Cerrado a agricultura instalou-se em áreas de
solos ácidos de baixíssima fertilidade. Foi a geração de tecnologias que
permitiu a incorporação desses solos pobres em
nutrientes ao processo agrícola. Entre essas tecnologias, as técnicas para a correção, a adubação e o manejo dos solos e
o lançamento de cultivares e de sistemas de produção para soja, arroz, milho,
algodão, feijão e trigo, adaptados à Região (SILVA, 2005, p. 75).
Em decorrência da política desenvolvimentista implementada pelo Governo
Federal, foi criado o
Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO), instituído pelo Decreto
nº 75.320, de 29 de janeiro de 1975, com o objetivo de promover o
desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias no Centro-Oeste e
no Oeste do estado de Minas Gerais, mediante a ocupação racional de áreas
selecionadas, com características de Cerrado (BRASIL, 1975).
O programa,
baseado em polos de crescimento, selecionou áreas no Cerrado com potencial agrícola, fornecendo
recursos para investimento em melhorias da infraestrutura no local e créditos subsidiados aos produtores que se interessassem em investir na agropecuária empresarial
(MACIEL, 2008, p. 53).
Os incentivos patrocinados pelo programa
levaram a uma crescente substituição da vegetação natural no Cerrado. Aproximadamente 2,4 milhões de hectares cederam
espaços às pastagens,
plantações e outras formas de
ocupação antrópica (ALHO; MARTINS,
1995, p. 20).
O sucesso das políticas de
interiorização do 'desenvolvimento' nacional, ditando a expansão da fronteira agrícola, despertou, a partir
de 1978, o interesse internacional pelo Cerrado, resultando na cooperação entre Brasil e Japão para a produção
de grãos destinados à exportação, beneficiando diretamente os estados
de Minas Gerais e Goiás (MACIEL, 2008, p. 54).
O Programa Nipo-Brasileiro de Desenvolvimento
Agrícola na Região do Cerrado (PRODECER)
tinha como principal instrumento o crédito supervisionado, com linhas de financiamento abrangentes, fato que levou à ocupação de extensas áreas dos Cerrados
para o cultivo agrícola (ALHO; MARTINS, 1995, p. 21).
O crescimento econômico de Goiás é
destacado atualmente, no contexto nacional, pela produção de grãos,
principalmente soja, cana,
café e milho, além da produção de leite e carne. O Brasil dispõe
de 15 milhões de hectares de Cerrado agricultável, dos quais 5 milhões estão
em Goiás, inserindo o estado no 4º
lugar no ranking nacional de produção de grãos em 2002, ficando atrás apenas do Paraná, Rio Grande do
Sul e Mato Grosso (ALHO; MARTINS,
1995, p. 24).
De igual forma,
encontra-se em plena
expansão no estado
a produção de leite e criação de suínos e aves,
devido a investimentos realizados para atender
à demanda de várias empresas,
nacionalmente conceituadas,
que se instalaram em Goiás nas últimas duas décadas, no respectivo setor de produção
(FERREI- RA, 2009, p. 21).
No entanto, os custos ambientais
resultantes do crescimento econômico do estado de Goiás com- prometeram o bioma Cerrado,
hoje ameaçado de extinção. Os números da destruição foram contabilizados
pelo IBAMA e pela ONG Conservação Internacional e se aproximam em torno de 60% da área total do
Cerrado (SILVA, 2005, p. 76).
O desenvolvimento da região ocorreu
sem observância das regras contidas
no Código Florestal, em vigor desde 1946, sobretudo no que se refere à exigência da manutenção de um percentual
de 20% a 35% (a depender da localização) do total da área do imóvel rural a título de reserva legal. As políticas de incentivo ao desenvolvimento da região foram implementadas sem que houvesse
fiscalização quanto ao
cumprimento da lei florestal, fato que impulsionou o desmatamento da propriedade rural para dar lugar à produção agrícola e pecuária.
O grande desafio que se apresenta atualmente
é conter o desmatamento e recuperar o passivo ambiental como tentativa de conciliar
o crescimento econômico e a conservação
da natureza, porquanto ambos são essenciais à manutenção da
vida.
Por isso, as políticas agrícolas devem
ser pensadas dentro do conceito de desenvolvimento sustentável, a fim de que a produção de alimentos não comprometa os recursos naturais,
impondo-se a adoção de
novas práticas de uso da terra, orientadas pelos princípios constitucionais que regulam o direito de propriedade. Acrescenta-se a esta proposta a implementação estratégica de instrumentos de políticas públicas ca-
pazes de induzir comportamentos ambientalmente desejáveis, sem desmerecer a adoção de outras medidas de gestão voltadas para a
recuperação e conservação do Cerrado goiano.