sábado, 23 de abril de 2011

Resenha do livro " Aprender a viver"


Disciplina: Filosofia
Professor: Harolso Reimer
Mestranda: Angela Acosta Giovanini de Moura


FERRY, LUC. Aprender a Viver: Filosofia para os novos tempos. Tradução: Vera Lucia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.
Nascido em Paris, em 1951, Luc Ferry é filosofo e um dos principais defensores do humanismo secular, visão do mundo que se contrapõe à religião, porquanto se vale da razão, e não da fé, na busca de respostas para as questões humanas mais importantes. O autor foi ministro da Educação na França, de 2002 a 2004, lhe rendendo esta obra o prêmio Aujourd’hui 2006, um dos mais conceituados prêmios de não ficção contemporânea da França.
A filosofia, na visão de Ferry, se apresenta como uma alternativa a disposição dos homens, auxiliando-o a superar seus medos e as angustias decorrentes da finitude humana. O objetivo do livro é fazer com que se compreenda o que é a filosofia. Os primeiros filósofos gregos partiam da ideia de que medo da morte paralisa a existência humana, impedindo-o de viver bem. A busca de uma nova forma de pensar a fim de se reduzir as angústias humanas constitui o objetivo do livro. Neste sentido, o autor apresenta uma alternativa laica à religião, buscando salvação dos medos que impedem o homem de chegar à vida virtuosa, através da razão (e não pela fé) e por si mesmo (em vez de um Deus).
Estabelecendo três dimensões para a filosofia, a inteligência (theórica), a sede de justiça (ética) e a busca da salvação (sabedoria), o autor analisa a construção do pensamento humano desde a filosofia grega, de tradição estoica, até a filosofia contemporânea, apresentando, no final, seu programa filosófico para a salvação.
Inicialmente, Ferry se reporta aos estoicos, na forma como compreendem o mundo, racionalmente, com uma lógica operando por traz do “caos” aparente das coisas, podendo a razão humana trazê-la a luz. O homem deveria, então, esforçar-se para compreender a ordem cósmica (theoria); em seguida (ética) fazer tudo para imitá-la e, finalmente, fundindo-se nela (sabedoria), encontrar seu lugar e assim alcançar uma forma de eternidade.
As ideias cristãs apregoadas pelo cristianismo, sobretudo a promessa de manutenção de individualidade humana e de seus entes queridos, venceu o pensamento filosófico dos estóicos e dominou o mundo ocidental durante 15 séculos, porque identificou o universo na pessoa singular do Cristo (theoria); substituiu a razão pela fé; apresentou a humildade em oposição ao racionalismo, reconhecendo a filosofia como mera escolástica, não mais uma sabedoria. No campo ético, prega a liberdade e a igualdade entre os homens, contrapondo-se ao universo grego hierarquizado. A salvação que, para os estoicos, era impessoal, torna-se pessoal e acolhedora, através do amor, pregada pelo cristianismo. Por fim, estabelece estreita relação entre imortalidade e a ressurreição dos corpos.
O Renascimento marca a superação da doutrina cristã pela filosofia moderna. A revolução científica na Europa, as descobertas de Copérnico, Newton, Descartes, Galileu, remetem a reavaliação das ideias cristãs sobre o cosmos, lançando dúvida sobre a religiosidade. No plano theórico o mundo não se encontra mais ordenado e harmonioso, mas caótico. No plano ético esse mundo caótico não pode ser imitado, impondo-se uma reformulação da doutrina da salvação. A partir daí o autor apresenta a filosofia moderna e inicia sua abordagem citando Kant e sua obra, Crítica da Razão Pura. O homem deixa de contemplar passivamente a beleza da natureza, para ocupar uma posição ativa de trabalho, consistente em ligar fenômenos naturais entre si, associando-se um efeito a uma causa. O pensamento não é mais uma teoria, mais um agir, dando origem ao método experimental. Não podendo mais seguir um universo caótico, o homem deve dar coerência a este mundo, passando a ocupar a posição de destaque no universo.
O século XIX se abre à filosofia contemporânea, e as ideias pós-modernas delineadas com o pensamento de Nietzsche, criticam o humanismo e o racionalismo científico. A filosofia moderna, fruto do espírito crítico e da dúvida metodológica, destruiu a cosmologia e enfraqueceu as autoridades religiosas (p. 176). Por outro lado, o racionalismo continuava a procurar a coerência e a ordem no mundo. Nietzsche começa a desconstruir a ideia da cosmologia grega, do cristianismo e do iluminismo, abrindo espaços a pensamentos novos. Propõe a distinção entre duas ordens ou forças no universo: as pulsões ou instintos: as forças reativas, ligadas ao plano intelectual, e as ativas, relacionadas à arte. Para  Nietzsche a moral se resume em viver a vida em grande estilo, onde a doutrina do amor fati se revela pelo amor ao real tal qual ele é.
Passado o período da desconstrução, o autor traz o pensamento de Heidegger sobre o mundo da técnica, onde os fins desaparecem totalmente em benefício dos meios (p.244), e, pensando o humanismo depois da desconstrução, aposta na questão da transcendência, apresentando seu programa filosófico final para a questão da salvação na filosofia contemporânea: alargar o pensamento, compreendendo que o presente é um momento da eternidade, perdendo o temor da morte todo seu significado, sobretudo diante da sabedoria do amor que deve ser elaborada individualmente e em silêncio. Propõe, finalmente, o pensar na morte diariamente a fim de valorizar os momentos presentes ao lado dos entes queridos.
Numa linguagem acessível e clara, o autor apresenta o conhecimento construído por  filósofos que marcaram os séculos, permitindo a compreensão das ideias básicas das várias linhas filosóficas apresentadas para, no final, brindar o leitor com uma nova maneira de enfrentar as angustias causadas pela finitude humana.
De leitura estimulante, o livro é recomendado a todos que buscam um entendimento maior do pensamento filosófico sem terem a pretensão de se tornarem especialistas. A obra  não traz respostas formatadas, mas incentiva o raciocínio lógico, sendo este o fio condutor pelo qual o autor propõe ao leitor "aprender a viver."


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