segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Ensaios Jurídicos*: O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA PARA AVERBAÇÃO DE RESERVA LEGAL E A EFETIVIDADE DA META NO PLANO GERAL DE ATUAÇÃO: PERSPECTIVA DE ATUAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE.

Ensaios Jurídicos*: O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA PARA AVERBAÇÃO DE RESERVA LEGAL E A EFETIVIDADE DA META NO PLANO GERAL DE ATUAÇÃO: PERSPECTIVA DE ATUAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE.

O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA PARA AVERBAÇÃO DE RESERVA LEGAL E A EFETIVIDADE DA META NO PLANO GERAL DE ATUAÇÃO: PERSPECTIVA DE ATUAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE.

O presente trabalho foi apresentado no VII Congresso Estadual do Ministério Público do Estado de Goiás. Aprovado em Plenária por unanimidade, no dia 17/09/2011. Autor: Angela Acosta Giovanini de Moura. Publicado no Caderno de Teses doa anais do Congresso, pag. 154 a 172.


SUMÁRIO: O presente estudo propõe uma reflexão sobre a posição ministerial diante da meta referente à cobertura da vegetação nativa no cerrado, estabelecida pelo atual Plano Geral de Atuação, tendo em vista o conflito existente entre o Código Florestal e a Política Estadual Florestal no Estado de Goiás, quanto à questão da reserva legal. O modelo de Termo de Ajustamento de Conduta, adotado pelo Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, há anos, traz em sua redação a permissividade da relocação da área de reserva legal, instituto introduzido pela legislação estadual, mas não previsto pela lei federal. Objetivando a diminuição de impactos ambientais causados pelo desmatamento acelerado do cerrado, no ritmo ditado pela economia, o estudo sugere a adoção de medidas práticas que poderiam ensejar maior efetividade da meta respectiva no Plano Geral de Atuação.


INTRODUÇÃO

A legislação florestal brasileira instituiu como instrumento de gestão ambiental a Reserva Legal (RL). Trata-se de uma área protegida, com percentual definido na legislação, localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a área de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.
No estado de Goiás, a área de reserva legal corresponde a 20 % (vinte por cento) de cada propriedade rural, devendo ser preservada com a cobertura vegetal nativa, ou com vegetação regenerada, em virtude de imposição legal, especialmente do art. 16, alínea “a”, § 2º e § 3º, da Lei Federal nº 4.771/65 - Código Florestal; art. 129 da Constituição do Estado de Goiás; e, art. 20 da Lei Florestal Estadual nº 12.596/95.
No entanto, previsto na legislação brasileira há mais de 70 anos, o instituto da reserva legal sempre gerou resistências e não cumprimento. O desinteresse pela conservação das áreas de reserva legal nas propriedades rurais para dar espaços às atividades lucrativas, tem se mostrado evidente, porquanto o interesse econômico se sobrepõe a determinação legal, incentivando a exploração integral da propriedade,
 Além da resistência dos proprietários rurais em cumprirem a lei, o Estado tem se mostrado incapaz de aplicar os instrumentos de monitoramento e fiscalização, resultando na baixa eficácia da RL.
A ocupação do Estado de Goiás foi estimulada por políticas desenvolvimentistas desde o início do século, e o crescimento do setor agroindustrial se verificou sem a estratégia de um planejamento conservacionista, o que comprometeu a sustentabilidade socioambiental da região.  Incluído na rota da política implantada pelo Estado Novo, no ano de 1938, o Estado de Goiás foi ocupado sem a orientação de uma política de gestão ambiental, malgrado a existência do Código Florestal de 1934[1] que proibia o desmatamento de um quarto da mata situada no interior da propriedade rural, o sacrifício de árvores ou vegetação considerada nobre, a ocupação de morros e encostas, entre outras.
 Estudos divulgados no IX simpósio nacional do cerrado, segundo OLIVEIRA E CHAVEIRO (2008), publicados na Revista Caminhos de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, concluem que a ocupação do território goiano foi intensificada com a política de integração do Estado Novo, através da Marcha para o Oeste, que objetivou a expansão da economia no setor primário de produção para atender as necessidades econômicas do setor secundário reclamadas no sudeste no Brasil, seguindo o ritmo de produção capitalista que se instalara no País.
Daquele período aos dias atuais, várias políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico do Estado intervieram diretamente no setor agrícola e pecuário, ensejando o desmatamento generalizado. O ritmo do crescimento econômico do Estado de Goiás tem despertado interesse para o investimento de capital nacional e internacional em solo goiano. O relatório A Força do Estado de Goiás, divulgado pela empresa de consultoria empresarial Pricewaterhouse Copers (Pwc) (2010, 6), pontua que ““ a localização estratégica, incentivos fiscais e possibilidade de expansão dos negócios são as principais vantagens do Estado para o crescimento dos negócios. ””
O Programa Cerrado, desenvolvido pela organização não governamental Conservação Internacional Brasil, realizou pesquisa recente cujos indicadores concluem que 57% do cerrado goiano já foram completamente destruídos[2]. O controle do desmatamento no Cerrado, segundo maior Bioma brasileiro, é medida imperativa para se evitar danos irreversíveis à riqueza desse patrimônio natural, cujo conhecimento cientifico, sobre a região, ainda apresenta-se incipiente.
Neste aspecto, o Código Florestal, instituído pela Lei Federal nº 4.771 de 1965, se apresenta como importante instrumento para a proteção das florestas e outras formações da vegetação em percentual definido em vinte por cento, para o Estado de Goiás, a ser locado no interior de cada propriedade rural.
O Ministério Público, como agente protagonista na defesa dos interesses difusos e coletivos, dispõe da ação civil pública, e do inquérito civil, como ferramentas capazes de assegurar os objetivos fundamentais da república federativa do Brasil, como deve ser a proteção do meio ambiente.
Neste contexto, destaca-se o Plano Geral de Atuação (PGA) adotado pelo órgão ministerial goiano, para o ano de 2010/2011, estabelecendo, dentre outras metas: Garantir a manutenção da cobertura vegetal nativa do cerrado em face da expansão da fronteira agrícola.  Como estratégia, no que tange a meta supracitada, o PGA propõe aos órgãos de execução exigir a manutenção da cobertura vegetal nativa do cerrado. Para tanto, indica a seguinte iniciativa: promover atividades extrajudiciais ou judiciais para exigir a averbação da reserva florestal legal em todas as propriedades rurais de todas as comarcas.
Para alcançar a meta proposta, o Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (CAOMA), disponibiliza na internet, uma série de ferramentas, destacando-se, para o presente estudo, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O modelo adotado pelo CAOMA, disponível na internet, dispõe no inciso II da clausula segunda a seguinte redação[3]:-

CLÁUSULA SEGUNDA: O compromissário reconhece que o imóvel identificado no Título II necessita, em cada uma de suas matrículas:
II Restaurar a reserva legal de sua propriedade, no mesmo local, mediante o plantio de espécies nativas e emprego de técnicas de conservação do solo, ou relocá-la, desde que haja ganho ambiental (grifamos).

A presente tese tem como objetivo confrontar a legislação federal e estadual, no que tange as disposições referentes ao instituto da reserva legal, uma vez que referidos diplomas legais fornecerão subsídios à iniciativa ministerial para o necessário cumprimento da meta apontada pelo PGA, propondo, ao final, a adoção de postura comum na atuação do órgão diante do tema, sobretudo em relação à celebração de TACs objetivando a averbação de áreas de reserva legal.

A RESERVA FLORESTAL LEGAL E A POLÍTICA FLORESTAL NO ESTADO DE GOIÁS

Em matéria florestal a Constituição Federal (CF) repartiu a competência legislativa entre os entes federativos, havendo competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal para legislar em tema ambiental e, sobretudo, em matéria florestal, conforme definido no art. 24, da CF, com primazia da legislação federal sobre a estadual.

Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
VI – florestas, caça, pesca conservação do meio ambiente e controle de poluição.”.

De acordo com a competência conferida aos Estados (art. 24, VI, CF), o Estado de Goiás, em consonância com as normas gerais emanadas pela União, instituiu a Política Florestal do Estado de Goiás, por meio da Lei Estadual nº 12.596, de 14 de março de 1995, regulamentada pelo Decreto n. 4593 de 13 de novembro de 1995.
Estabelece o Decreto n. 4593 de 13 de novembro de 1995, que regulamentou a Lei Estadual nº 12.596, de 14 de março de 1995:

Art. 37 - considera-se reserva legal a área de domínio público e privado sujeita a regime de utilização limitada, ressalvada a de preservação permanente e susceptível de exploração, devendo representar um mínimo de 20% (vinte por cento) de cada propriedade, preferencialmente em parcela única e com cobertura arbórea localizada, a critério do órgão estadual de meio ambiente competente, onde não são permitidos os corte raso, a alteração do uso do solo e a exploração com fins comerciais. (grifamos).

Extrai-se da disposição legal que a área de reserva legal, no interior de uma propriedade, deve ser definida e demarcada pelo órgão ambiental competente. A dinâmica de locar a área de reserva legal pelo órgão ambiental competente se verifica em procedimento administrativo, devendo o proprietário do imóvel promover a averbação da área no cartório de registro de imóveis (CRI). Neste sentido, segue os parágrafos do artigo 37, desdobrando-se na seguinte sistemática:-
§ 4º - Nas propriedades rurais com área total entre 20 ha (vinte hectares) e 50 ha (cinquenta hectares), a reserva legal prevista neste artigo será locada a critério da autoridade competente, admitindo-se, além da cobertura vegetal de qualquer natureza, os maciços de porte arbóreo, sejam frutíferos, ornamentais ou industriais, esses a critério do proprietário, observando-se os aspectos de proteção ambiental previstos em lei. (grifamos).
§ 6º - A área de reserva legal deve ser averbada à margem do registro do imóvel ou registrada na respectiva matrícula no Cartório de Registro Imobiliário competente, sendo vedada a alteração de sua destinação nos casos de transmissão a qualquer título, ou nos casos de desmembramento da área. (grifamos).

O artigo 37 é claro ao estabelecer que a locação da área da reserva na propriedade será definida pelo órgão ambiental competente e uma vez locada será averbada no Cartório de Registro de Imóveis (CRI).
O termo locar, contido nos parágrafos do artigo 37, é definido pelo dicionário Aurélio eletrônico:
LOCAR- Verbo transitivo direto. 1. Dar de aluguel ou de arrendamento; alugar. 2. Localizar (1). 3. Bras. Marcar com estaca (os pontos singulares duma construção, ou o eixo duma estrada).

Destarte, a expressão locar reserva legal, remete ao entendimento de que o órgão ambiental marca e define a área, em procedimento administrativo a seu cargo, para ser, em seguida, averbada no cartório de registro de imóveis do local.
O parágrafo 6º do artigo 37, em harmonia com o disposto no artigo 16, parágrafo 8º da Lei 4771/65:
A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código. (grifamos)

O emprego da expressão vedada a alteração de sua destinação, pode ensejar o entendimento de que a RL uma vez averbada na propriedade não mais poderá ser retirada do local onde foi definida e demarcada pelo órgão ambiental competente.
Todavia, este primeiro entendimento que emerge da leitura da norma perde o sentido quando se investiga a finalidade da averbação da reserva legal.  Apresentando-se como verdadeira limitação administrativa, gravame que pela regra geral não exige averbação na matricula do imóvel, a finalidade do ato registral determinado pelo legislador florestal certamente tem outro viés.
A doutrina não é conflitante sobre o tema. A finalidade da averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel é de impor limite à exploração integral do imóvel, e dar publicidade a este limite, para que futuros adquirentes saibam onde está localizada. E a lei determina que, uma vez averbada, fica vedada a alteração de sua destinação, inclusive nos casos de transmissão, a qualquer título, nos casos de desmembramento ou de retificação de área.
A averbação de uma área de reserva legal impede a alteração de sua destinação, em razão do relevante papel que representa e desempenha em favor do meio ambiente. A área de reserva legal deve destinar-se ao fim proposto na legislação, qual seja servir à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas. Não pode o proprietário, por exemplo, averbar a RL e utilizar o local como um espaço de lazer ou de recreação acessível a terceiros, ou aproveitar a área para qualquer outro propósito capaz de prejudicar sua função em favor do ecossistema.
A área de reseva legal é intocável. Nela só se permite o manejo sustentável. Daí a finalidade da averbação, dar conhecimento a terceiros adquirentes ou sucessores para que não aleguem ignorância caso se lhe imputem responsabilidade por eventual degradação da área.
De acordo com a legislação federal, Lei 4771 de 15 de setembro de 1965, uma vez averbada a RL, a área fica protegida e não pode ser transferida para qualquer outro local, em razão da determinação imposta pela legislação federal, e não em decorrência do ato de averbação.
No entanto, a Lei Florestal Goiana traz um dispositivo que permite a alteração da averbação da reserva legal. Trata-se da relocação, prevista nos parágrafos 13 e 15, do artigo 37:-
§ 13 - O proprietário ou usuário da propriedade pode relocar a floresta da reserva legal, de acordo com plano aprovado pelo órgão estadual de meio ambiente competente. (grifamos).
§ 15 - Na eventual relocação da reserva legal, deve-se observar que a nova área tenha a tipologia, volumetria, solo e recursos hídricos, prioritariamente semelhantes à anterior, ou com características consideradas melhores que as daquela caracterizada como reserva legal, a critério do órgão estadual de meio ambiente competente. (grifamos).

Ao utilizar os termos locar e relocar, o legislador dispensa tratamentos diferenciados à reserva legal, atribuindo ao órgão ambiental competente critérios subjetivos para a sua definição na propriedade. Nota-se, que o legislador deixou a cargo do subjetivismo do órgão ambiental a conveniência e a vantagem da escolha da área para a locação da reserva ou para sua relocação.
O emprego do prefixo re, no verbo locar, leva a permissividade de ser feito novamente todo o procedimento que culminou com a averbação da reserva legal. O dicionário Aurélio[4], sobre o prefixo re, de origem latina, apresenta os seguintes significados: movimento para traz, repetição, intensidade, reciprocidade, mudança de estado.
Do significado da palavra relocar extraído do dicionário, e da opção do legislador na utilização dos dois termos, é possível entender que locar não é o mesmo que relocar, e este, por sua vez, importa em repetição, mudança de estado.
O fato do artigo 16 do Código Florestal e do artigo 37, parágrafo 6º, do Decreto n. 4593, de 13 de novembro de 1995, que regulamentou a Lei n. 12.595 de 14 de março de 1995, determinar a averbação da reserva legal, vedando a alteração de sua destinação, não significa que, uma vez averbada a reserva legal, não possa a mesma ser relocada e novamente averbada à margem da matricula do imóvel. Tanto pode que a lei estadual permite.
Ademais, a averbação é um ato previsto no artigo 167, II da Lei de Registros Públicos e corresponde a uma simples anotação das ocorrências respeitantes ao imóvel. Averbação é uma espécie de anotação que na Lei Registros Públicos deve ser feita inclusive a requerimento do interessado[5].  Assim, se a reserva legal averbada for relocada, mediante aprovação do órgão ambiental competente, nova averbação será feita na matricula do imóvel, ou à sua margem, para constar a nova RL, pois a finalidade da averbação é dar publicidade, conhecimento a terceiros de sua definição no imóvel.
Interessante observar que o legislador disciplina a reserva local, fixando o percentual de 20% em cada propriedade. Em seguida tece referencia a locação da área pelo órgão ambiental competente. Depois, dispõe sobre a averbação da área locada. Em sequencia, os parágrafos 13 a 15, do artigo 37, disciplinam a relocação, para somente depois, nos parágrafos seguintes, apontar ao proprietário, que não possui área de vegetação nativa em sua propriedade, possibilidades para a locação da reserva legal.
Da sequencia dos parágrafos do artigo 37, é possível concluir que o legislador tratou de duas situações relacionadas às providencias a serem adotadas quanto à reserva legal. Primeiro, disciplinou a situação da propriedade com vegetação nativa suficiente para a locação da reserva legal. Depois, tratou da situação da propriedade que não possui vegetação nativa para ser legalmente reservada.
Na primeira situação, ou seja, propriedade com vegetação nativa, a reserva deve ser definida pelo órgão ambiental competente e, em seguida, devidamente averbada. Pode, também, ser relocada, quando houver vantagem ambiental, conforme previsão do parágrafo 13, do artigo 37. Neste sentido, a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH) órgão ambiental competente para decidir sobre os ganhos ambientais que autorizam a relocação, disponibiliza na internet[6], para ser consultada pelo público, uma página de arquivos para download, podendo ser encontrado no item reserva legal, o documento nominado de DVA, declaração de viabilidade ambiental-Flora, em cujo teor se insere o modelo nominado de TERMO DE RESPONSABILIDADE DE AVERBAÇÃO DA RESERVA LEGAL – RELOCAÇÃO, com disposição expressa de relocaçao da reserva legal anteriormente averbada, por ganhos ambientais, comprometendo-se o interessado a proceder à nova averbação da área relocada.
Na segunda hipótese, referente à propriedade sem vegetação nativa, o proprietário poderá optar entre a recomposição da reserva legal, na mesma propriedade, ou a compensação, mediante a locação da reserva em área externa. A recomposição da reserva legal se dará mediante o plantio, em cada ano, de pelo menos, um trinta avos (1/30) da área total, até a completa recomposição. (parágrafo 18). A compensação da reserva legal poderá ser feita por outra equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microrregião homogênea e bacias hidrográficas dentro do Estado de Goiás.
A legislação goiana não se encontra isolada no que tange a inclusão da relocação da reserva legal, em sua política florestal. Neste sentido, a legislação dos Estados de Minas Gerais[7], Mato Grosso[8], Bahia[9], Tocantins[10], também trazem a possibilidade de relocação da RL, dispondo a respeito depois de disciplinar sobre a locação da área e sua respectiva averbação. No Estado do Mato Grosso, a relocação da reserva legal se verifica quando constatada a degradação da área de reserva legal anteriormente definida. A referencia às legislações daqueles Estados tem o propósito de ratificar a ideia de que a relocação da reserva legal é medida ao alcance do proprietário que pretende desmatar toda a sua propriedade. A dinâmica é obter a relocação, averbá-la e, depois, obter autorização para o desmatamento da área. Não fosse este o propósito do legislador, não haveria necessidade de introduzir a relocação da RL para a política estadual florestal goiana. Tanto que, no parágrafo 18 e seu inciso II, da Lei Estadual Florestal, a solução para a propriedade que não possui área de reserva legal averbada e que se encontra desprovida de vegetação foi definida pela regeneração (na mesma propriedade) ou pela compensação (extrapropriedade). E este entendimento está claro no parágrafo 19, quando o legislador usa a expressão locação da reserva. Denota-se que a compensação e regeneração são medidas previstas para as propriedades que, desprovidas de vegetação, não possuem reserva legal averbada, porque a locação da RL se verifica com sua averbação no CRI. Qual o propósito, então da relocaçao?  Não há espaço para outro entendimento. O legislador estadual inovou neste campo, porquanto a legislação federal não prevê a possibilidade de relocação da área de reserva legal depois de devidamente averbada. O proprietário que desmatar área de reserva legal devidamente averbada deve responder criminal e administrativamente, na forma da Lei 9605, de 12 de fevereiro de 1998, bem como figurar no polo passivo de ação civil publica.
Mesmo se o entendimento sobre a relocação não for o ora explanado, consubstanciado na possibilidade de alteração da área já averbada, ainda assim não se pode abrigar o instituto da relocação previsto pela lei estadual. A propriedade que possui área suficiente de mata para fazer a averbação da reserva legal, não pode, de acordo com a legislação federal, relocar a área para a exploração integral da propriedade, pois estaria frustrando os fins do instituto que é justamanete impor limite ao desmatamento.
DA INEFICACIA DO PARAGRAFO 13 E 15, DO ARTIGO 37, DECRETO Nº 4.593, DE 13 DE NOVEMBRO DE 1995.

A competência legislativa no Brasil segue a técnica da repartição de competências entre a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, estabelecidas na Constituição Federal (CF).
Neste aspecto, Paulo Gustavo Gonet Branco (MENDES; COELHO; BRANCO: 2009 868) menciona o mecanismo de repartição de competência legislativa em dois modelos: o horizontal e o vertical. Naquele, há um fortalecimento dos Entes Federativos, porquanto cada um recebe uma competência específica, sem relação de hierarquia com os demais, como são os artigos 21, 22, 23,25 e 30 da CF. Inserem-se neste modelo as competências exclusivas, privativas e comuns dos entes federados.
 No modelo vertical, a CF outorga a diferentes entes federativos a competência para legislar sobre as mesmas matérias, concorrentemente, mas estabelece a predominância da União, para legislar sobre normas gerais (art. 24, §1°, CF) cabendo aos Estados, ao legislar sobre a mesma matéria, limitar-se ao estabelecido em norma geral, ou, na ausência de atuação normativa por parte da União, exercer a competência suplementar para legislar sobre assuntos referentes aos seus interesses locais. O critério vertical abarca as competências concorrentes, suplementares e supletivas.
A competência para legislar sobre política florestal é concorrente e está estabelecida no artigo 24 da CF. Assim sendo, em se tratando de legislação sobre florestas (VI) a União, por meio da Lei n. 4771, de 15 de setembro de 1965, estabeleceu as regras gerais sobre a matéria ao instituir o Código Florestal, sendo permitido aos Estados, concorrentemente, legislar sobre o tema para englobar aspectos peculiares locais, observando os limites ditados pela regra geral estabelecida pela União, em respeito ao principio da repartição de competência legislativa.
A Constituição Federal prevê, além de competências privativas, um condomínio legislativo, de que resultarão normas gerais a serem editadas pela União e normas especificas, a serem editadas pelos Estados-Membro.  [...] A divisão de tarefas esta contemplada no artigo 24, de onde se extrai que cabe a União editar normas gerais-i. e, normas não exaustivas, leis-quadro e não –exaustiva, princípios amplos, que traçam um plano sem descer a pormenores. (MENDES; COELHO; BRANCO: 2009 870/871).

Desta forma, a Lei que instituiu a Política Florestal do Estado de Goiás, no âmbito de sua competência concorrente, ao introduzir a possibilidade da relocação da área de reserva legal, não prevista pela legislação federal, de caráter geral, invadiu campo de atuação alheio, consistente na inobservância dos limites constitucionais impostos ao exercício de sua competência legislativa.
O parágrafo 4º do artigo 24, da Constituição Federal, determina a suspensão da eficácia da norma estadual naquilo que for contrario as disposições da norma geral, impondo-se um questionamento sobre a eficácia no parágrafo 13, do artigo 37, do Decreto 4593/95, uma vez que a legislação estadual extrapolou os limites de sua competência ao restringir, por meio da relocação, o âmbito de proteção ambiental conferido pela norma federal.
A relocação de uma área já definida e demarcada como reserva legal pode impor prejuízos ao bioma local, sobretudo quando o avanço da cana de açúcar e do agronegócio se apresenta vantajoso ao proprietário. Acresce-se a esta preocupação o fato da aprovação da relocaçao da reserva legal ficar na dependência daquilo que o órgão ambiental competente entender por mais vantajoso, sem qualquer interferência do órgão ministerial em sua decisão. A este, firmado o TAC, com previsão da relocação, conforme modelo adotado pelo CAOMA, caberá apenas o manejo judicial para discutir o critério adotado pelo órgão ambiental, quando já efetivada a relocaçao, o que pode se tornar desgastante, ante a morosidade que os interessados podem imprimir ao deslinde da ação.
Ainda, o Projeto de Lei n.1876-C, de 1999, aprovado pela Câmara dos Deputados, em trâmite no Senado Federal, possibilita a compensação da reserva legal no mesmo Bioma (38, parágrafo 6º, II), abolindo-se o critério atual que exige a compensação na mesma microrregião e bacia hidrográfica. Tal permissividade poderá ensejar ao órgão ambiental aplicar a regra da compensação para a relocação, entendendo mais vantajoso a relocaçao de uma área de reserva legal em região extrema à região em que se situa a propriedade matriz, colocando em risco todo o bioma local, além de incentivar o desmatamento. E, depois, a lei florestal estadual não esclarece em que situação pode ser relocada uma área de reserva legal; dispõe apenas que o proprietário pode fazê-lo quando houver ganho ambiental a critério exclusivo do órgão ambiental competente.
Dentre os princípios e enunciados que informam o direito ambiental, sobretudo em se tratando da norma a ser aplicada na hipótese de conflito entre leis de diferentes entes federativos, deve ser invocado o princípio do in dubio pro natura ou in dubio pro ambiente, segundo o qual deve prevalecer à regra que mais proteja o meio ambiente, desde que as normas concorrentes provenham de entes igualmente habilitados para legislar sobre o assunto.

In dubio pro natura: cuando exista peligro o amenaza de daños graves o inminentes a los elementos de la biodiversidad y al conocimiento asociado con estos, la ausencia de certeza científica no deberá utilizarse como razón para postergar la adopción de medidas eficaces de protección. ( RUSSO;RUSSO: 2009).

Nessa ordem de ideias, sem maior reflexão sobre as consequências resultantes da inobservância do principio da repartição da competência legislativa, importa destacar que estando as duas normas em matéria ambiental em conflito deve prevalecer a que for mais benéfica em relação à natureza, no caso a Lei Federal n. 4771/65, como desdobramento do princípio da precaução no campo da hermenêutica jurídica em matéria ambiental.

CONCLUSÃO

Para o êxito da meta institucional referente à manutenção da cobertura vegetal nativa do cerrado em face da expansão da fronteira agrícola, com promoção de atividades extrajudiciais ou judiciais para a exigência da averbação da reserva florestal legal em todas as propriedades rurais, o presente estudo apresenta as proposições abaixo, sugerindo sejam adotadas nos modelos de peças que compõe o acervo material de apoio do CAOMA à disposição dos órgãos de execução, casos sejam admitidas e aprovadas:
1) O Termo de Ajustamento e Conduta para a averbação de reserva legal firmado pelo órgão ministerial deve dirigir-se apenas às propriedades que não possuam reserva legal averbada no Cartório de Registro de Imóveis.
2) A redação do instrumento (TAC) não deve fazer referencia a relocação da Área de Reserva Legal, porque referida possibilidade não se encontra prevista na Lei 4771/65, nem mesmo no Projeto de Lei n. 1876-C, em tramite no Senado Federal, já anunciado como o novo Código Florestal.  
3) Havendo noticia de desmatamento em área de reserva legal devidamente averbada no Cartório de Registro de Imóveis, sugere-se a adoção de medidas administrativas e judiciais para responsabilizar o proprietário, jamais a adoção de TAC oportunizando a relocação da RL, como permite a lei estadual em conflito com a lei federal.
As medidas sugeridas serão benéficas por que:-
1) Permitirá maior êxito no cumprimento da meta prevista no PGA, referente à manutenção da cobertura da vegetação no cerrado, sobretudo na manutenção da vegetação em cada município, impedindo a transferência da reserva legal para outras localidades. 
2) Na hipótese de ocorrer relocação autorizada pelo órgão ambiental, sem previsão no TAC ministerial, será possível o manejo de ação judicial visando à nulidade do ato com fundamento na ineficácia da norma prevista na legislação estadual e no princípio da precaução, que informa a regra do in dúbio pro ambiente. Por outro lado, a manutenção do modelo atual adotado dificultará, diante do caso concreto, o manejo judicial para o questionamento da relocação, ante a previsão expressa contida no TAC.

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[1] Brasil. Decreto Federal n. 23.793, de 22 de janeiro de 1934. Publicado no Diário Oficial da União em 21/03/1935.
[2] Relatório. Estudos Desmatamento do Cerrado. Estimativas de perda da área do Cerrado brasileiro. Brasília, Julho de 2004. Download disponível em <http://www.conservation.org.br/onde/cerrado/>.  Acesso em 01/06/2011.
[4] Edição eletrônica
[5] Lei 6015, de 31 de dezembro de 1973, artigo 213.
[6] GOIAS. Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Disponível em <http://www.agenciaambiental.go.gov.br/site/principal/index.php?page=servicos_formularios&vali=de8517d28ac6d7afb49fa6702b0844cd > Acesso em 27/08/2011.
[7] Lei Nº 14.309, de 19 de Junho de 2002, artigo 16.
[8] INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 05, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2006, art. 26.
[9] Lei nº 10.431 de 20 de dezembro de 2006, artigo 108.
[10] LEI Nº 1.445, DE 02 DE ABRIL DE 2004, artigo 4º.