segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A Validade Da Investigação Criminal Direta Do Ministério Público No Contexto Do Sistema Acusatório

 Publicado no blog em 16/10/2008


Embora a atividade investigativa criminal no Brasil se apresente como um monopólio da polícia civil, não se pode desconsiderar a possibilidade do exercício de investigação criminal por outros órgãos, como as investigações exercidas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, as investigações exercidas pela justiça militar no inquérito policial militar (IPM) e outras como as investigações da Receita Federal, no objetivo de apurar sonegação fiscal por parte do contribuinte que, muito embora objetivem a recuperação do imposto sonegado, acabam por ensejar ações criminais.
Inúmeras as opiniões de relevo em sentido contrário sustentando que a investigação criminal direta pelo Ministério Público não encontra previsão constitucional, inserindo-se entre as atividades exclusivas da autoridade policial.
A Constituição da República de 1988, inaugurado nova ordem jurídica, atribuiu moderno perfil ao Ministério Público, incumbindo-lhe, dentre varias funções, zelar pelo regime democrático e pela ordem jurídica.
Assim, a ampliação das atividades atribuídas ao Ministério Público, inovou o papel que até então o mesmo exercia, para conferir-lhe a obrigação de zelar pela proteção do meio ambiente, do patrimônio cultural, do consumidor, do controle dos casos de improbidade de governantes, dos idosos, bem como outras diversas tarefas.
Decore, ainda, da Lei Maior, ser atividade exclusiva do Ministério Público o exercício da ação penal pública. Tendo como papel principal a promoção privativa da ação penal, com a elaboração da opinio delicti, a investigação criminal funciona como instrumento para servir ao Órgão Ministerial, de modo que melhor desempenhará sua função se ao seu dispor tiver a possibilidade de investigar fatos que entenda relevantes.
Ademais, se o Ministério Público sendo o titular constitucional da ação penal pública, deve ter ao seu alcance os meios necessários para ter êxito no exercício desta atividade, de modo que a investigação como atividade instrumental deverá estar ao seu comando.
Inadmissível admitir que a Constituição atribuísse ao Ministério Público o direito de ação, e ao mesmo tempo, lhe cerceasse os meios de instruí-la adequadamente. Regras comezinhas de hermenêutica leva a conclusão de que não vedando, expressamente, o Poder Investigatório do Parquet, admitiu a ordem constitucional a investigação criminal pelo Ministério Público de forma implícita.
Recente decisão do Supremo Tribunal Federal, em julgamento HC 91.661 / PE, voto da MIN. ELLEN GRACIE, acena com a permissibilidade das investigações criminais pelo ministério público.
Colhe-se do voto proferido:-
É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária às atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti.
Argumenta, ainda, a Relatora, Ministra Ellen Gracie, que:-
O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia.
Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes implícitos”, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim – promoção da ação penal pública – foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia. “
Conclui-se, pois ser perfeitamente valida a investigação direta promovida pelo Ministério Público, por não ferir os princípios legais e constitucionais que informam o devido processo legal.
Não se trata de atribuir ao órgão ministerial a condução de inquérito policial, mas apenas reconhecer sua legitimidade concorrente para a colheita direta de provas capazes de ensejar-lhe a formação da opinio delicti.
Bibliografia:-
ANDRADE, Mauro Fonseca. Ministério Público e sua investigação criminal. Curitiba: Juruá, 2006.
BARBOSA, Guilherme Soares. O Ministério Público na investigação criminal. Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro, v.11, p. 129-140, 2000.
BASTOS, Marcelo Lessa. A Investigação nos Crimes de Ação Penal de Iniciativa Pública. Papel do Ministério Público. Uma Abordagem à Luz do Sistema Acusatório e do Garantismo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. P. 150.
MAZZILI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva 2003.
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC91661votoEG.pdf

Atipicidade das condutas de arma desmuniciada e posse de munição face ao principio da ofensividade


Publicado no blog em 14/10/2008

Os crimes de portes de arma de fogo e munição estão criminalizados pelos artigos 14 e 16 do Estatuto do desarmamento, Lei nº. 10.826/03 e, segundo a melhor doutrina, o porte ilegal de arma de fogo constitui delito comum, de mera conduta, de ação múltipla e de perigo abstrato, tendo como sujeito ativo: qualquer pessoa e, sujeito passivo: a coletividade.

O elemento subjetivo do tipo, portar, é traduzido pelo ato de trazer consigo arma de fogo, acessório ou munição. Assim, pela exegese legal ou simples interpretação gramatical, tanto o fato de portar arma desmuniciada, quanto o porte de munição, isoladamente, constituem crime, com supedâneo na Lei de crimes de Arma de Fogo.

Sustenta certa corrente doutrinária que o fundamento para a criminalização de ambas as condutas, porte de arma ou porte de munição, se justifica no sentido que o delito de porte ilegal de arma de fogo, sem a devida autorização, é considerado crime de mera conduta ou de perigo abstrato, o que, per si, rompe a confiança existente na sociedade com a insurgência do risco proibido, dotado de lesividade latente.

O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição federal, em sentido inverso, tem decidido que se arma de fogo estiver despida de munição e não houver ao alcance do seu portador, nenhum projétil, não haverá crime; se, ao contrário, houver artefato ao alcance do portador, a sua conduta é típica.

Nesse contexto, infere-se do RHC 81057:

"ATIPICIDADE, CONDUTA, PORTE, ARMA DE FOGO, AUSÊNCIA, MUNIÇÃO ADEQUADA, PROXIMIDADE, AGENTE, INDISPONIBILIDADE, ARMA. AUSÊNCIA, POTENCIALIDADE, LESÃO, BEM JURÍDICO, INCOLUMIDADE PÚBLICA. EMENTA: Arma de fogo: porte de arma de fogo, no entanto, desmuniciada e sem que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta disponibilidade de munição: inteligência do art. 10 da L. 9437/97: atipicidade do fato: 1. Para a teoria moderna - que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso - o cuidar-se de crime de mera conduta - no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação - não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato. 2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige à exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido: basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte. 3. Na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo. 4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os praticáveis mediante ameaça - pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena. 5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica." (STF, RHC 81057 / SP - SÃO PAULO, Relator p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 25/05/2004, Órgão Julgador: Primeira Turma, Relatora: Min. ELLEN GRACIE).

Destacam-se, neste sentido, os ensinamentos de Claus Roxin, asseverando que a conduta para ser penalmente típica considerada em face do Direito Penal, deve oferecer um risco ao bem jurídico. Se não há risco, não existe imputação objetiva. Trata-se de ausência de imputação objetiva da conduta, conduzindo à atipicidade do fato.

Assim, não basta verificar se o comportamento tem idoneidade para ameaçar o direito protegido pela normal penal. Condutas inofensivas não podem ser punidas, porque a função do direito penal é proteger valores sociais, que estejam expostos a risco.

Considerando a conduta do porte de arma desmuniciada, ou do simples porte de munição, face ao princípio da ofensividade, também conhecido como princípio do fato ou da exclusiva proteção de bem jurídico, forçoso reconhecer sua atipicidade.

Não há como reconhecer ofensa ao bem jurídico tutelado, no caso a segurança coletiva, quando da infração penal não houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico.

Partindo da premissa que não há delito quando a conduta não oferece perigo concreto e real, ou seja, um ataque efetivo ao bem jurídico tutelado, limitar-se-á a pretensão punitiva e intervencionista estatal, porquanto serão consideradas atípicas todas as condutas sem conteúdo ofensivo.

Releva notar, quer se o artefato encontrar-se desmuniciado e sem qualquer chance de uso imediato, não poderá gerar perigo efetivo, pois não pode ser usado sozinho, da mesma situação que munição desarmada não detona. Daí porque a única possibilidade de evento danoso seria a utilização como instrumento contundente, que, não é a interpretação teleológica da Lei armamentista.

Sobre o assunto vertente, pertinente transcrever o artigo do Professor Luiz Flávio Gomes:

"O crime de posse ou porte de arma ilegal, em síntese, só se configura quando a conduta do agente cria um risco proibido relevante (que constitui exigência da teoria da imputação objetiva). Esse risco só acontece quando presentes duas categorias: danosidade real do objeto + disponibilidade, reveladora de uma conduta dotada de periculosidade. Somente quando as duas órbitas da conduta penalmente relevante (uma, material, a da arma carregada, e outra jurídica, a da disponibilidade desse objeto) se encontram é que surge a ofensividade típica. Nos chamados "crimes de posse" é fundamental constatar a idoneidade do objeto possuído. Arma de brinquedo, arma desmuniciada e o capim seco (que não é maconha nem está dotado do THC) expressam exemplos de inidoneidade do objeto para o fim de sua punição autônoma."

No mesmo diapasão, espraia a jurisprudência do TJRS, denotando coesão com o STF:

"(...) a detenção de arma desmuniciada, sem qualquer munição à parte, não se enquadra no art. 10, caput, do CP, em face da ausência de potencialidade lesiva (princípio da lesividade ou ofensividade)..." (Apelação Crime 70006204440, Oitava Câmara Criminal, Rel. Roque Miguel Fank).

"Porte ilegal de arma de fogo. Ofensividade não comprovada, em face da circunstância de estar desmuniciada a arma que foi apreendida em poder do réu, o que ficou consignado no auto de apreensão..." (Apelação Crime 70012566626, Sexta Câmara Criminal, Rel. Paulo Moacir Aguiar Vieira).

Sobre o assunto em comento, assevera novamente Luiz Flávio Gomes:

"(...) a munição desarmada 'leia-se: munição isolada, sem chance de uso por uma arma de fogo assim como a posse de acessórios de uma arma. Não contam com nenhuma danosidade real. São objetos (em si mesmos considerados) absolutamente inidôneos para configurar qualquer delito. Todas essas condutas acham-se formalmente previstas na lei (estatuto do desarmamento), mas materialmente não configuram nenhum delito. Qualquer interpretação em sentido contrário constitui, segundo nosso juízo, grave ofensa à liberdade e ao Direito penal constitucionalmente enfocado"

Neste sentido, a doutrina de Ferrajoli, esclarece:-

"(...) Por exemplo, um cartucho de munição para nada serve se não houver arma que ele fará uso. Dessa forma, um militar ou ex-militares que tiverem em sua residência, como suvenir, cartuchos de armas militares, configurará o crime do artigo 16, sujeito a 3 anos de reclusão, no mínimo, sem direito à liberdade provisória".

"Assim, como a arma de fogo precisa estar municiada para trazer perigo à coletividade, a munição, sem a arma, também não produz qualquer efeito, uma vez que quem manter em seu poder um número grande de armamento, desde que desmuniciados estaria concorrendo para prática do artigo 180 ou 334 do CP".

Face aos argumentos acima expostos, conclui-se que a conduta em debate redunda em atipicidade, visto que o Direito Penal deve ser a última ratio, reservando-se tão-somente as hipóteses que efetivamente reclamam uma atuação repressiva do Estado.

Bibliografia:-

FERRAJOLI, Luigi, Derecho y Razón. Teoria Del Garantismo Penal. Madrid: Editora Trotta, 2000, p.464

Gomes, Luiz Flavio. Súmula do STF sobre porte de arma desmuniciada. Disponível em: http://www.oquintopoder.com.br/informativo/ed29_IV.php. Acesso em 26.06.2008.

GOMES, Luiz Flavio. Arma desmuniciada versus Munição Desarmada. http://www.wiki-iuspedia.com.br/article.php?story=20040705160036824, texto publicado em 05/07/2004.

ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General. Trad. Diego-Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y García Conlledo; Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997. I, p. 373

sábado, 24 de outubro de 2009

Eutanásia e o direito à vida


Publicado no blog em 15/07/2009
A eutanásia, procedimento que visa garantir morte suave e tranqüila àqueles que não têm mais chances de vida digna, ante a presença de doença incurável e em estado terminal, tem permeado a preocupação e a atenção da sociedade, em todos os seus seguimentos, notadamente nas ultimas décadas em que se registram movimentos sociais organizados, exigindo a proteção de direitos assegurados na Constituição Federal.
Desta forma, elevado a categoria de indisponibilidade e inalienabilidade por todas as declarações internacionais, o direito à vida se apresenta como o mais importante , precedendo, inclusive, a aquisição e o exercício dos demais. No entanto, tendo em vista as exceções de tutela admitida pela lei penal, não deve ser considerado um direito absoluto, no sentido de que ninguém é obrigado a viver, ou a morrer para que outrem viva.
Embora a lei penal valore a vida de forma diferenciada, conforme se constata pelas penas atribuídas ao homicídio doloso, culposo, infanticídio, auxilio ao suicídio e aborto, ainda assim, o direito a vida está assegurada na legislação penal de forma indisponível, pois são incriminadas as condutas que, mesmo por compaixão ou a pedido da vitima, importem na exterminação da vida.
Não podendo o individuo dispor do direito a vida, eis que a sua criação escapa-lhe as possibilidades, não se pode abrigar, num contexto legal democrático, o consentimento do doente autorizando a eutanásia, ou entregando a terceiros a decisão sobre a vida de seu semelhante, por razões de compaixão e piedade.
Este entendimento não é exclusivo do ordenamento jurídico brasileiro, já que a maioria dos países como a Suíça, Itália, Inglaterra, Bélgica, Estados-Unidos etc, penalizam de forma severa a prática de tal crime.
No Brasil, a eutanásia constitui crime previsto no artigo 121 do Código Penal, podendo apenas o agente invocar o privilégio previsto no parágrafo primeiro caso comprovar ter agido impelido por motivo de relevante valor social ou moral, caso em que a pena poderá ser reduzida.
Destarte, embora os defensores da eutanásia se escorem em sentimentos de piedade e compaixão, ou em princípios como o da dignidade da pessoa humana e a proibição de tratamentos degradantes e desumanos, não se vislumbram ser exatamente este o background de tão discutido e polêmico tema. Ao contrário, modificando-se o enfoque dado à temática, vislumbram-se sérias conseqüências ao se negar restabelecer tanto nas leis quanto nos costumes o respeito pela vida.
É de se questionar, neste contexto, quais instrumentos legais seriam eficazes a coibir abusos, uma vez legalmente lícita a prática da eutanásia, ainda que somente nos casos de doença grave e fortemente dolorosa? A falta de eleição de instrumentos eficazes para se conter abusos, nesta seara, poderia ensejar o alcance de índices altíssimos de mortes que, nem sempre decorreriam de atos piedosos.
A melhor conclusão repousa com aqueles que entendem ser a vida o direito mais importante de todos os direitos e deve ser preservado de qualquer forma. E, depois, não se pode negar que o avanço da ciência tem proporcionado ao ser humano melhoria na qualidade de vida, de forma que ninguém pode assegurar que uma doença, considerada hoje incurável, não venha sofrer derrota poucos dias depois de sua instalação no organismo humano.
Sendo a vida um direito indisponível, a ninguém é dado sobre o mesmo intervir, ainda que motivado por “nobres” sentimentos; no entanto, não sendo absoluto, entendemos que a abdicação da vida é opção que somente compete ao seu titular, não lhe sendo lícito consentir a terceiros a abreviação ou extinção do direito máximo que lhe assegura a Magna Carta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hungria, Nelson - Comentários ao Código Penal - Ed. Forense, 1958, vol.5 – Rio de Janeiro
Jesus, Damásio E. De - Direito Penal - Ed. Saraiva 17ª ed., 1993 – São Paulo (vol. II)
Martin LM - A ética médica diante do paciente terminal - 1993 – (Internet)
Nogueira, Paulo Lúcio - Em defesa da vida: aborto, eutanásia, pena de morte, suicídio, violência, linchamento - Ed. Saraiva 1995 – São Paulo
França, Genival Veloso- Eutanásia: Direito de matar ou Direito de Morrer- 1999 (internet).
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BIOPIRATARIA DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS:- UMA AMEAÇA AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.


Publicado no blog 24/10/09

A Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no ano de 1972, em Estocolmo, na Suécia, levou a conscientização global para os problemas ambientais, podendo ser considerada um marco histórico nas negociações internacionais sobre o clima.
As discussões internacionais que permearam a Conferência de Estocolmo contribuíram para a adoção do conceito de desenvolvimento sustentável, embora incipiente.
Dentre os resultados colhidos naquela oportunidade, chegou-se ao entendimento de que os recursos da natureza são esgotáveis e, portanto, sua exploração contínua e de forma desregrada, constitui expressiva ameaça à existência da vida no planeta.
A manutenção da vida no globo terrestre, para continuar se manifestando, depende de um meio ambiente sadio e equilibrado. Por outro lado, a miséria e a desigualdade social, para serem combatidas, dependem do desenvolvimento econômico dos povos, o qual agride o meio ambiente.
É nesse contexto que se apresenta o grande desafio para a governança global: buscar a formatação de um modelo que atenda à necessidade dos países se desenvolverem economicamente e, ao mesmo tempo, conservarem a natureza.
A convenção de Estocolmo oportunizou aos países participantes o entendimento de que é possível conciliar o desenvolvimento econômico de forma sustentável, sem que os recursos da natureza se esgotem, de forma a comprometer a geração atual ou a futura.
A idéia de desenvolvimento sustentável envolve duas grandes preocupações: o esgotamento dos recursos naturais e o compromisso com as necessidades das futuras gerações.
Segundo a doutrina, o desenvolvimento sustentável apresenta-se em pilares. Primeiramente em número de três (eficácia econômica, proteção ao meio ambiente, eqüidade social), contando agora com mais um, o quarto deles, o respeito às culturas. (MONEDIAIRE: 2006)
O respeito às culturas, tema deste ensaio, foi reconhecido pelo princípio 22, da Declaração do Rio, dispondo o seguinte:
“Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar adequadamente sua identidade, sua cultura e seus interesses, e oferecer condições para sua efetiva participação no alcançamento do desenvolvimento sustentável.”
Os conhecimentos dos povos indígenas e comunidades locais associado à biodiversidade, antes ignorados e desprezados pela sociedade, têm despertado o interesse de pesquisadores e das indústrias biotecnológicas, tendo em vista que tais conhecimentos são usados como atalhos para se buscar com mais agilidade o desenvolvimento de produtos lucrativos.
Pesquisas revelam que o uso dos conhecimentos tradicionais aumenta consideravelmente a eficiência no reconhecimento das propriedades medicinais de uma planta, dispensado o emprego de outros recursos e processos mais onerosos, apresentando-se vantajosamente no processo de pesquisa de que se lançam as indústrias biotecnológicas.
A apropriação e monopolização dos conhecimentos das populações tradicionais têm beneficiado muitos países que utilizam, sem a devida permissão, os conhecimentos dos povos indígenas, além de lhes negar a devida compensação pelas informações obtidas para o desenvolvimento de produtos economicamente lucrativos.
Os debates e as discussões sobre a proteção da propriedade intelectual das comunidades tradicionais têm procurado encontrar uma fórmula capaz de harmonizar o sistema de patentes, com o conhecimento tradicional desses povos.
Segundo informações divulgadas pelo site http://www.museu-goeldi.br/institucional/index.htm, ainda não existe legislação específica tutelando os conhecimentos tradicionais. Alguns argumentam que se deve adotar, de forma ampla, o texto da Convenção sobre Diversidade Biológica, assinado no Rio de Janeiro, após a ECO-92. O governo brasileiro, entretanto, vem tentando uma harmonização entre a CDB e o acordo sobre direitos de Propriedade Intelectual, ou “Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights” (TRIPs), legislação vigente para os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), desde 1996, que se encontra em processo de reforma.
O governo argumenta que o caminho mais interessante seria a inclusão de uma cláusula no Trips, contendo quatro pontos fundamentais:
• Identificação da origem do material genético;
• Prova de ter havido repartição de benefícios;
• Demonstração de ter havido consentimento prévio;
• Identificação do conhecimento tradicional associado à biodiversidade.
Entretanto, as controvérsias sobre o assunto são imensas, havendo quem recomende um mecanismo sui generis de proteção, pois o sistema de patentes atual não se mostra eficaz para a proteção dos conhecimentos tradicionais associados.
A referida lei traz proteção para a produção individual e, mesmo ao se referir à propriedade coletiva, não abarca toda uma comunidade tradicional detentora de conhecimentos coletivos, porquanto considera o termo “coletivo”, como a reunião de vários sujeitos individuais e não uma comunidade.
Conclui-se, portanto, que a adoção de uma legislação diferenciada para proteger os conhecimentos tradicionais produzidos coletivamente é medida que reclama urgência no combate a biopirataria, não podendo ser admitido como sustentável o desenvolvimento de um país que não respeite o espaço das comunidades indígenas e das sociedades tradicionais.
Referências bibliográficas:-
Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, disponível em: <http://www.vitaecivilis.org.br/anexos/Declaracao_rio92.pdf>
BLANCO TÁRREGA. Maria Cristina Vidotte. ARROYO PÉREZ . Héctor Leandro. a convenção sobre a diversidade biológica: acordo global rumo ao desenvolvimento sustentável. Disponível em:
MONEDIAIRE. Gerard. A hipótese de um direito do desenvolvimento sustentável e as mutações jurídicas contemporâneas. In Antídoto. Goiânia, ano I, número 1, 2006.
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos. A proteção jurídica da diversidade biológica e cultural. São Paulo: Editora Fundação Peirópolis, 2005.

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terça-feira, 20 de outubro de 2009

A antecipação da tutela penal no Estado Democrático de Direito

Publicado no blog em 22/10/2009
Objetivando encontrar novos caminhos de combate à criminalidade, alguns segmentos de política criminal têm apontado novas possibilidades para diminuir a fronteira entre o comportamento punível e não-punível. Para tanto, o modelo atual de direito penal, vem incorporando a sua sistemática de proteção, a possibilidade de atuação antes mesmo da ocorrência de efetivo dano ao bem jurídico e antes de causar a este efetivo perigo concreto.
Assim, elegendo bens jurídicos que reclamam proteção especial e abrangente, porque primordiais a coexistência pacifica em sociedade, o legislador penal tem antecipado a tutela a tais bens jurídicos, como forma de evitar possível desdobramento progressivo capaz de converter uma situação de mera exposição de perigo em um dano efetivo ao bem jurídico.
No entanto, pauta-se a atual constituição federal pela vertente de um direito penal mínimo, cuja antecipação de tutela, nos casos de perigo abstrato ao bem jurídico penalmente tutelado, foge ao paradigma de direito penal de resultado em que a tutela se impõe após a efetiva lesão ao bem jurídico, sem contar a afronta princípios ditados pela atual Constituição Federal.
Nas hipóteses legais de tutela antecipada do bem jurídico, como ocorre nas hipótese de tentativa e em casos de crimes de perigo abstrato, procurou o legislador atender aos anseios sociais que reclamam, cada vez mais, o poder punitivo estatal, representado pelo direito penal, elegendo mega-riscos que exigem máxima proteção a bens jurídicos eleitos como imprescindíveis para a vida em sociedade.
No entanto, o direito penal deve doa atual Estado Democrático de Direito deve se nortear pelos princípios constitucionais da lesividade, subsidiariedade, fragmentariedade, amparados implicitamente pela Constituição da República, de sorte que os delitos de perigo abstrato devem ser interpretados à luz destas balizas.
Ressalta-se, que a paz social é atingida toda vez que se comete um ilícito, e não só quando seja este de natureza criminal. Assim, para restabelecer a ordem jurídica violada, o Direito conta com múltiplos instrumentos, dentre os quais a sanção penal, mas também, entre outros, a reparabilidade do dano extra penal, medidas constritivas patrimoniais, sanções administrativas , etc.
O Supremo Tribunal Federal já expressou entendimento de que a ofensividade autoriza a antecipação da tutela penal apenas para situações representadas pelo perigo concreto, e não o abstrato, até porque a admissão de outro sentido, a este sentindo inverso, engrossaria as fileiras do movimento do direito penal do inimigo, que pune o agente sem o devido respeito às garantias mínimas do direito penal.
A antecipação da tutela penal aos momentos antecedentes ao da lesão somente será justificada quando se puder estabelecer relação de proporcionalidade entre a aplicação da pena (lesão do direito à liberdade do condenado) e o perigo (probabilidade de lesão do bem jurídico tutelado pela norma penal causado pela conduta incriminada).
Assim, a intervenção do Estado, através do direito penal, na ordem social, somente se justifica quando comprovada a lesividade concreta do bem jurídico, em situação de afronta à coletividade, impondo-se a produção de um dano ou de um perigo concreto de dano de forma significativa capaz de abalar a paz social e mesmo assim quando tais condutas violadoras de um bem jurídico, não puderem ter eficaz proteção por outros meios de controle social, formal ou informal, atuando o direito penal de forma subsidiária.
Portanto, a antecipação da tutela para situações de risco em abstrato, sem a necessária comprovação de que algum bem jurídico relevante tenha sofrido ao menos o perigo concreto de lesão, contraria a moderna orientação de intervenção mínima, além de ferir a Constituição Federal, mais se aproximando do modelo penal do inimigo defendido por alguns estudiosos do direito penal.
Por outro lado, deve-se considerar, atendendo-se aos mesmos argumentos acima enfocados, que a antecipação da tutela em situações de perigo concreto e tentativas de crimes, somente se justificaria se estabelecidos critérios rígidos, objetivando não ferir direitos, liberdades e garantias do indivíduo, sem deixar de lado o objetivo do direito penal em salvaguardar direitos, liberdades e garantias individuais e coletivas, fundamentais à vida em sociedade, procurando intervir o menos possível.
Referencias bibliográficas:-
BIANCHINI. Alice. Pressupostos Materiais Mínimos de Tutela Penal. Revista dos Tribunais.
FREITAS FILHO, Jose Inácio. Os princípios da proporcionalidade, da ofensividade, da Lesividade e da disponibilidade, em matéria penal. Disponível em http://inaciodefreitas.spaces.live.com/
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Ofensividade no Direito Penal.Revista dos Tribunais.2009.
GRECO. Rogério.Direito Penal do Equilíbrio.Impetus.2009.
NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Revista dos Tribun