segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A OCUPAÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS A PARTIR DO ESTADO NOVO


A cobertura vegetal do bioma Cerrado atingia 97% do território do estado de Goiás, encontrando- se, atualmente, reduzida a 30%, em razão da ocupação antrópica que se intensificou a partir da década de
1930, quando políticas de estímulo à ocupação do território (Centro-Oeste e Norte do país) foram efetivadas estrategicamente pelo governo militar (SILVA; FERREIRA, 2011, p. 130).
A ocupação do território goiano, em específico, foi deflagrada com a política de integração do Estado Novo1    por meio da Marcha para o Oeste, que visava à “expansão brasileira dentro de suas fronteiras e recolocava o problema da mão-de-obra necessária à coordenada conquista do interior do país” (PANDOLFI,1999, p. 69).
O estado de Goiás figurou na agenda política do governo Vargas como prioridade nacional. A ocupação da região fazia parte de um projeto que buscava articular as regiões produtivas do estado e sua aproximação aos grandes centros urbanos. A modernização da região e a expansão da economia agrícola seguiu o ritmo de produção capitalista que se instalara no País (OLIVEIRA; CHAVEIRO; OLIVEIRA, 2009, p. 228).
Com o fim do Estado Novo, em 1945, marcado pela derrocada do regime implantado por Getúlio Vargas, o processo de ocupação e devastação do Cerrado se acelerou, sobretudo com a previsão, na Constituição de 1946, da mudança da Capital do Brasil e sede do Governo Federal para a região Central, no  Distrito Federal (MACIEL, 2008, p. 48).
O tema é enfrentado por Silva (2005, p. 75):

A construção de Brasília na década de 50, a nova capital, cravada no estado de Goiás, foi outro fator importante para a ocupação do Cerrado, pois incrementou a rede de estradas para a região, trazendo grande fluxo de população para a região e abrindo mercados para os produtos agrícolas e para o gado.

O processo de ocupação do território, assim – frisa-se – foi determinado por políticas ininterruptas de expansão de fronteiras, como a Marcha para o Oeste e os projetos da Fundação Brasil Central (SAWYER; LOBO, 2008, p. 1156), sendo impulsionado pela construção de Goiânia e Brasília. O fluxo da população para a região aumentou consideravelmente com a implantação de uma infraestrutura de transporte, ligando Brasília às demais capitais do país.

Os impactos negativos ao bioma Cerrado ficaram evidenciados pelas “invasões de APPs, criação de condomínios irregulares, imensas voçorocas em áreas rurais, destruição de nascentes e comprometimento do leito de muitos rios [...]” (NOVAES apud MACIEL, 2008, p. 49).

Na década de 1970, “a expansão da fronteira agrícola inseriu o Cerrado no cenário nacional de produção agropecuária com alto grau de mecanização” (SANTOS; FERREIRA, 2009, p. 7), haja vista as facilidades de se obter linhas de crédito por meio do plano nacional de desenvolvimento, para impulsionar as atividades agrárias (MACIEL, 2008, p. 53).

A intensificação da agricultura e a abertura para o mercado externo exigiram o aperfeiçoamento de tecnologia científica, sobretudo na região do Cerrado, onde o solo se apresentava empobrecido, necessitando de correção. Surgiu, então, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), cuja contribuição “foi determinante para a transformação do Cerrado como nova fronteira agrícola” (SILVA, 2005, p. 75).

Com efeito, a tecnologia implementada pela EMBRAPA foi decisiva para o enriquecimento do solo na região:

Ao contrário de muitas regiões no mundo, em que o estabelecimento da agricultura deu-se em locais onde a fertilidade natural dos solos permitia a capitalização inicial dos agricultores, no Cerrado a agricultura instalou-se em áreas de solos ácidos de baixíssima fertilidade. Foi a geração de tecnologias que permitiu a incorporação desses solos pobres em nutrientes ao processo agrícola. Entre essas tecnologias, as técnicas para a correção, a adubação e o manejo dos solos e o lançamento de cultivares e de sistemas de produção para soja, arroz, milho, algodão, feijão e trigo, adaptados à Região (SILVA, 2005, p. 75).

Em decorrência da política desenvolvimentista implementada pelo Governo Federal, foi criado o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO), instituído pelo Decreto 75.320, de 29 de janeiro de 1975, com o objetivo de promover o desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias no Centro-Oeste e no Oeste do estado de Minas Gerais, mediante a ocupação racional de áreas selecionadas, com características de Cerrado (BRASIL, 1975).
O programa, baseado em polos de crescimento, selecionou áreas no Cerrado com potencial agrícola, fornecendo recursos para investimento em melhorias da infraestrutura no local  e créditos subsidiados aos produtores que se interessassem em investir na agropecuária empresarial (MACIEL, 2008, p. 53).
Os incentivos patrocinados pelo programa levaram a uma crescente substituição da vegetação natural no Cerrado. Aproximadamente 2,4 milhões de hectares cederam espaços às pastagens, plantações e outras formas de ocupação antrópica (ALHO; MARTINS, 1995, p. 20).
O sucesso das políticas de interiorização do 'desenvolvimento' nacional, ditando a expansão da fronteira agrícola, despertou, a partir de 1978, o interesse internacional pelo Cerrado, resultando na cooperação entre Brasil e Japão para a produção de grãos destinados à exportação, beneficiando diretamente os estados de Minas Gerais e Goiás (MACIEL, 2008, p. 54).
O Programa Nipo-Brasileiro de Desenvolvimento Agrícola na Região do Cerrado (PRODECER) tinha como principal instrumento o crédito supervisionado, com linhas de financiamento abrangentes, fato que levou à ocupação de extensas áreas dos Cerrados para o cultivo agrícola (ALHO; MARTINS, 1995, p. 21).
O crescimento econômico de Goiás é destacado atualmente, no contexto nacional, pela produção de grãos, principalmente soja, cana, café e milho, além da produção de leite e carne. O Brasil dispõe de 15 milhões de hectares de Cerrado agricultável, dos quais 5 milhões estão em Goiás, inserindo o estado no 4º lugar no ranking nacional de produção de grãos em 2002, ficando atrás apenas do Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso (ALHO; MARTINS, 1995, p. 24).
De igual forma, encontra-se em plena expansão no estado a produção de leite e criação de suínos e aves, devido a investimentos realizados para atender à demanda de várias empresas, nacionalmente conceituadas, que se instalaram em Goiás nas últimas duas décadas, no respectivo setor de produção (FERREI- RA, 2009, p. 21).
No entanto, os custos ambientais resultantes do crescimento econômico do estado de Goiás com- prometeram o bioma Cerrado, hoje ameaçado de extinção. Os números da destruição foram contabilizados pelo IBAMA e pela ONG Conservação Internacional e se aproximam em torno de 60% da área total do Cerrado (SILVA, 2005, p. 76).
O desenvolvimento da região ocorreu sem observância das regras contidas no Código Florestal, em vigor desde 1946, sobretudo no que se refere à exigência da manutenção de um percentual de 20% 35% (a depender da localização) do total da área do imóvel rural a título de reserva legal. As políticas de incentivo ao desenvolvimento da região foram implementadas sem que houvesse fiscalização quanto ao cumprimento da lei florestal, fato que impulsionou o desmatamento da propriedade rural para dar lugar à produção agrícola e pecuária.
O grande desafio que se apresenta atualmente é conter o desmatamento e recuperar o passivo ambiental como tentativa de conciliar o crescimento econômico e a conservação da natureza, porquanto ambos são essenciais à manutenção da vida.

Por isso, as políticas agrícolas devem ser pensadas dentro do conceito de desenvolvimento sustentável, a fim de que a produção de alimentos não comprometa os recursos naturais, impondo-se a adoção de novas práticas de uso da terra, orientadas pelos princípios constitucionais que regulam o direito de propriedade. Acrescenta-se a esta proposta a implementação estratégica de instrumentos de políticas públicas ca- pazes de induzir comportamentos ambientalmente desejáveis, sem desmerecer a adoção de outras medidas de gestão voltadas para a recuperação e conservação do Cerrado goiano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário