quinta-feira, 23 de maio de 2013

Protocolo de Quioto: responsabilidades e compromissos



O Segundo Relatório de Avaliação do IPCC, publicado em 1996, confirmou as previsões de que o aquecimento já verificado, entre 0,3 e 0,6 graus Celsius, desde o final do Século XIX, resultou da ação humana, solidificando a credibilidade das previsões enunciadas anteriormente. O relatório forneceu a base científica para as negociações do Protocolo de Quioto, durante a terceira Conferências das Partes, em 1997, sendo fundamental para persuadir os Países a firmarem um acordo legal com estabelecimento de metas obrigatórias de redução global de emissões para as Partes-Anexo I (SANTOS, 2008, p. 30).
Reportando-se ao segundo Relatório do IPCC, que impulsionou o Acordo em Quioto, Marques (2007, p 132) assevera que
Enquanto o relatório reconhecia a importância e a gravidade que o problema do efeito estufa tem sobre o clima, fazendo recomendações genéricas no sentido de reduzir esses efeitos, o Protocolo de Quioto estabeleceu os limites das emissões e um calendário para que os limites sejam cumpridos.

A COP-3 foi realizada na cidade de Kyoto, no Japão, em 1997, com a participação de 160 países e União Europeia e, após intensas negociações, foi assinado o Protocolo de Quioto, estabelecendo metas quantitativas de redução de emissão de GEE – e mecanismos adicionais de implementação para que essas metas sejam atingidas – para os 38 países do Anexo B durante o período de 2008-2012, período em que deve vigorar o Tratado (ARATANGY, 2007, p. 61).
Embora formado em 1997, o Protocolo de Quioto somente entrou em vigor em fevereiro de 2005, depois que a Rússia depositou seu instrumento de ratificação no mesmo ano, cumprindo-se, assim, o artigo 25 do documento que exigia a ratificação de pelo menos 55 partes da Convenção do Clima.
Ressalta-se que nem todos os países integrantes da Convenção do Clima ratificaram o Protocolo de Quioto. Os Estados Unidos, maior emissor de dióxido de carbono do mundo, negaram-se a ratificá-lo sob o argumento de que a implantação das metas prejudicaria a economia do país. Na ocasião, o presidente George W. Bush, reconhecendo a hipótese do aquecimento global, sustentou que enfrentaria o problema estimulando ações voluntárias por parte das indústrias poluentes, além de buscar novas soluções tecnológicas (FURLAN, 2010, p. 51). Outro argumento apresentado pelos EUA para se furtarem ao acordo foi a falta de exigência de metas de redução das emissões de GEE para os países em desenvolvimento, como o Brasil, China e a Índia (CASARA, 2007, p. 133).
No ano de 2009, meses antes de participar da COP em Copenhagen, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, encaminhou ao Senado um projeto de lei sobre o aquecimento global, cumprindo a palavra empenhada à comunidade internacional de que os EUA aprovariam uma legislação rigorosa sobre o tema, prevendo a redução das emissões de dióxido de carbono e outros gases poluentes de efeito estufa.
A resistência dos líderes no Senado em apoiar a legislação, no entanto, está relacionada à falta de previsão, no Protocolo de Quioto, de mecanismos de punição a todos os países que emitem grandes quantidades de gases de efeito estufa, como as potências econômicas emergentes lideradas por China e Índia, caso estes não procedam a cortes de emissões (REVKIN, 2009).
O texto do acordo de Quioto é composto de um breve preâmbulo e 28 artigos. No preâmbulo, as Partes do Protocolo (que são obrigatoriamente Partes da Convenção do Clima) afirmam agir em conformidade com as disposições da Convenção e do Mandato de Berlim, adotado na COP 1.
A preocupação com as futuras gerações fundamentou os princípios delineados no Protocolo de Quioto que, segundo observa Mascarenhas (2009, p. 42), estabeleceu às partes a obrigação de implementar planos de ações na ordem interna almejando a redução dos GEE e “cujo objetivo é a estabilização das concentrações de gases de efeitos estufa na atmosfera em um nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático”.
 O Artigo 3 do Protocolo, em seu primeiro parágrafo, especifica as metas e o período no qual os países do Anexo I deverão atingir tais metas:
As Partes incluídas no Anexo I devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não excedam suas quantidades atribuídas, calculadas em conformidade com seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012 (BRASIL, 2004, p. 19).

O Decreto nº 5.445, de 12 de maio de 2005, que promulgou o protocolo de Quioto reiterando o texto original do tratado, salienta que o  Anexo A do Protocolo de Quioto elenca os seis gases do efeito estufa (dióxido de carbono – CO2, metano – CH4, monóxido de carbono – CO, óxido nitroso – N2O, outros óxidos de base nitrogenada – NOx e hidrocarbonos não metanos – HCNM), cujas emissões devem ser reduzidas. O Anexo B, por outro lado, reúne os países e a Comunidade Europeia compromissados a reduzir as emissões de gases poluentes.
As Partes, guiadas pelo princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, empenharam-se na elaboração de políticas públicas de combate às mudanças do clima, do uso eficiente da energia, de mitigação das emissões de gases de efeito estufa e de promoção do desenvolvimento sustentável (MOREIRA, 2009, p. 65).

Mecanismos de flexibilização
Para garantir a efetividade do acordo de Quioto foram definidos mecanismos de flexibilização para possibilitar aos países industrializados reduzir suas emissões sem comprometer o próprio desenvolvimento (SISTER, 2008, p. 9-10). São eles:  Implementação Conjunta (Joint Implementation), Comércio de Emissões (Emissions Trade) e Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (Clean Development Mechanism).
A implementação conjunta, prevista no artigo 6º, destina-se aos países industrializados do Anexo I. Trata-se de um acordo bilateral para a realização de projetos de mitigação de GEE e objetiva a contabilização de reduções líquidas de emissões de gases com execução de projetos entre países do Anexo I (SEIFFERT, 2009, p. 58).
Para tanto, o Protocolo de Quioto exige que (BRASIL, 2005):
Artigo 6º
1 [...]
(a) O projeto tenha a aprovação das Partes envolvidas; 
(b) O projeto promova uma redução das emissões por fontes ou um aumento das remoções por sumidouros que sejam adicionais aos que ocorreriam na sua ausência; 
(c) A Parte não adquira nenhuma unidade de redução de emissões se não estiver em conformidade com suas obrigações assumidas sob os Artigos 5 e 7; e 
(d) A aquisição de unidades de redução de emissões seja suplementar às ações domésticas realizadas com o fim de cumprir os compromissos previstos no Artigo 3. 

Assim, um país do Anexo I que “tenha desenvolvido uma tecnologia mais limpa pode investir em outro país de seu bloco (Anexo I) e contabilizar essas reduções, pois tais projetos dão lugar à aquisição de créditos de emissão” (FURLAN, 2010, p. 54). Os créditos oriundos de um projeto de Implementação Conjunta são nominados de Unidade de Emissões Reduzidas (Emission Reduction Units), que corresponde a uma tonelada de carbono equivalente. 
O Comércio de Emissões, artigo 17, possibilita aos países do Anexo I, que reduzirem suas emissões de GEE abaixo do limite estabelecido, negociar este excesso, vendendo os créditos excedentes para os países, também do Anexo I, com dificuldades em alcançar suas metas, independentemente de realizar projetos em conjunto; essa comercialização, no entanto, deve ser acompanhada de esforços domésticos para redução de emissões (SABAG, 2009, p. 35).
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL, previsto no artigo 12, é o único instrumento de flexibilização estabelecido no Protocolo que permite a cooperação entre Partes Anexo I e Partes não Anexo I, possibilitando aos países industrializados cumprirem seus compromissos de redução, investindo em projetos que evitem emissões dos gases causadores do efeito estufa nos países em desenvolvimento, desde que fomentem o desenvolvimento sustentável no país receptor (SISTER, 2008, p. 12-13).
O propósito do mecanismo é a mitigação de gases de efeito estufa em países em desenvolvimento, na forma de sumidouros, o investimento em tecnologias mais limpas, a busca pela eficiência energética e fontes alternativas de energia, devendo os projetos de MDL, necessariamente, promover o desenvolvimento sustentável dos país hospedeiro (SEIFFERT, 2009, p. 50-51).
Os projetos implementados no âmbito do Protocolo de Quioto, por meio de qualquer dos mecanismos de flexibilização, geram créditos de carbono que podem ser utilizados para complementar as metas de reduções dos países do Anexo I (FURLAN, 2010, p. 55).
O funcionamento do MDL foi discutido na COP-7, em 2001, e definido pela decisão de número 17, resultando no Acordo de Marrakesh que introduziu o artigo 12 do Protocolo de Quioto. Na oportunidade, também foi definida a elegibilidade das atividades de uso da terra, a mudança no uso da terra e florestas no âmbito do MDL, que deve limitar-se ao florestamento e ao reflorestamento.
O Artigo 12, parágrafo 5º, do Protocolo de Quioto estabelece que as reduções de emissões resultantes de cada atividade de projeto devem ser certificadas por entidades operacionais a serem designadas pela Conferência das Partes, as quais devem estar sob a supervisão rigorosa do Conselho Executivo (BRASIL, 2005).
Os requisitos para a certificação das reduções de emissões dos gases de efeito estufa exigem a observância da participação voluntária das partes envolvidas, devendo apresentar vantagem para ambas, além de propiciar o desenvolvimento sustentável do país receptor do projeto (BRASIL, 2005).
As partes devem designar uma autoridade nacional no país hospedeiro, responsável pela avaliação e aprovação do projeto. No Brasil, a autoridade responsável para aprovação de projetos, no âmbito do Protocolo de Quioto, é a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, criada pelo Decreto de 7 de julho de 1999 (BRASIL, 1999).
O projeto também deve representar benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo eficazes na mitigação do clima, promovendo a redução da emissão antropogênica de GEE ou a criação de sumidouros, devidamente certificados por uma entidade operacional designada pela Conferência das Partes (BRASIL, 2005).
Os resultados positivos para a mitigação do fenômeno do aquecimento global a serem promovidos pelo projeto devem ser adicionais àqueles que ocorreriam na sua ausência (BRASIL, 2005).
O requisito da adicionalidade para a certificação de um projeto no âmbito do MDL tem despertado discussões quando a legislação interna de um país hospedeiro exige a redução das emissões de GEE ou a obrigação legal de preservação de sumidouros, como é o caso, no Brasil, da obrigação legal dos proprietários rurais em manter a reserva legal florestal, prevista NA Lei 12.651/2013.
Precisamente, aclara Furlan (2009, p. 62) que a falta de recursos dos países em desenvolvimento para implementar projetos de proteção ambiental que exigem grandes investimentos deve ser considerada quando da análise do requisito da adicionalidade de um projeto, mesmo diante da pré-existência de lei interna no país hospedeiro, exigindo a redução de emissão antropogênica de gases poluentes ou determinando a conservação de sumidouros.
Interessante anotar, neste ponto, que a Lei 12.651/2013 criou o instituto das áreas rurais consolidadas como sendo aquelas com ocupação antrópica preexistente até 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris. Nestas áreas, de acordo com a legislação, não será exigido a reserva legal, o que permitirá a recepção de projetos de reflorestamento com objetivo de promover o sequestro de carbono da atmosfera, por representar adicionalidade.
Por fim, o Protocolo considera mais uma modalidade convencional de flexibilização, já prevista na Convenção, denominada Bolha, para países industrializados, onde a redução de emissões geradas será considerada por um agrupamento de fontes em uma área comum, como se houvesse uma bolha gigante os envolvendo (BRASIL, 1999, p. 35). Os países da bolha devem dividir as responsabilidades de acordo com as circunstâncias de cada país e segundo acordos entre as partes envolvidas. A União Europeia é o único grupo de países que criou uma bolha.
O primeiro período do protocolo de Quioto terminou em 2012, tendo as partes se reunido na COP 17, em Durban. A COP 17 culminou com o estabelecimento de decisões previstas na Plataforma de Durban, onde o consenso determinou a prorrogação do protocolo de Quioto para um segundo período, iniciando-se em 2013, prorrogando-se até 2020, conforme decisão da COP 18, realizada em novembro de 2012, em Dhoa, Catar.
Por ocasião da COP 17 foi estruturado o Fundo Climático Verde das Nações Unidas para socorrer as nações mais vulneráveis com as alterações climáticas, o qual contará com um conselho formado por 4 membros, incluindo representantes de países ricos e pobres, que se reunirá periodicamente para administrar o Fundo e decidir sobre projetos que poderão acessar os recursos. As duas primeiras reuniões ocorreram no ano de 2012 na Suíça e na Coreia do Sul, com perspectiva de se canalizar até US$ 100 bilhões por ano em financiamentos até 2020 para ajudar países em desenvolvimento a se adaptarem às mudanças climáticas.
O Fundo, alimentado pela doação de países desenvolvidos e de outras fontes alternativas, destina-se a atender duas modalidades principais de financiamento: adaptação e mitigação. Outras atividades, como capacitação de grupos da sociedade civil e transferência de tecnologias, também poderão ser contempladas. A gestão dos recursos ficará sob a responsabilidade do Banco Mundial e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Os problemas do Protocolo ainda prosseguem e são de várias ordens. O principal refere-se à recusa dos Estados Unidos em ratificar o acordo, levando a Europa a suportar sozinha o ônus do aquecimento. No entanto, a crise econômica que aflige a Europa poderá desestimular os mercados verdes, atualmente os maiores investidores em créditos de carbono.
Ademais, o surgimento de economias emergentes, como China, Índia e Brasil, grandes emissoras de gases poluentes e não contempladas por Quioto,  apresenta-se como forte ponto de tensão.
Por outro lado, durante a COP 18, Rússia, Canadá e Nova Zelândia retiraram seu apoio para a segunda fase do protocolo, que se iniciou em janeiro deste ano. Ficou acordado entre as partes a possibilidade de se fazer um novo tratado para substituir o Protocolo de Quioto após 2020. Essa proposta será discutida em 2015 e, segundo especialistas, somente haverá avanço se os planos de redução forem mais ambiciosos e os demais países tiverem que acatá-los.

                                            Referências

BRASIL. Decreto de 7 de julho de 1999. CRIA A COMISSÃO INTERMINISTERIAL DE MUDANÇA GLOBAL DO CLIMA COM A FINALIDADE DE ARTICULAR AS AÇÕES DE GOVERNO NESSA ÁREA. Publicado no Diário Oficial da União em 07/07/99

BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Coordenação-Geral de Mudanças Globais de Clima. Comunicação Nacional Inicial do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2004.

BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Coordenação-Geral de Mudanças Globais de Clima. Comunicação Nacional Inicial do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2004.

CASARA. Ana Cristina. SUSTENTABILIDADE DO MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO. Dissertação de Mestrado Pontifícia Universidade Católica do Paraná Centro de Ciências Jurídicas e Sociais.212 p. Curitiba, 2007.

FURLAN, Melissa. MUDANÇAS CLIMÁTICAS E VALORAÇÃO ECONÔMICA DA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. Curitiba: Juruá, 2010.

MARQUES. Divina Eterna Vieira. RESPONSABILIDADE E SUSTENTABILIDADE: UMA ÉTICA PARA O DESENVOLVIMENTO. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Goiás. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. Programa de Doutorado em Ciências Ambientais, 172 páginas,2007.

MASCARENHAS, Luciane Martins de Araújo. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Curitiba: Letra da Lei, 2008.

REVKIN. ANDREW C. CLIMATE BILL SUCCESS = TREATY FAILURE? Publicado no jornal americano The New York Times, em 07 de agosto de 2009. Disponível em <http://dotearth.blogs.nytimes.com/2009/08/07/> Acesso em 27/10/2011
SANTOS. Andréa Souza. VULNERABILIDADES SOCIOAMBIENTAIS DIANTE DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS PROJETADAS PARA O SEMI-ÁRIDO DA BAHIA. Dissertação de mestrado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília. Brasília: 2008. 153 p.

SEIFFERT. Mari Elizabete Bernardini. MERCADO DE CARBONO E PROTOCOLO DE QUIOTO: OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS NA BUSCA DA SUSTENTABILIDADE.. São Paulo: Atlas, 2009

SISTER. Gabriel. MERCADO DE CARBONO E PROTOCOLO DE QUIOTO. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário