domingo, 22 de maio de 2011

A condenação do Brasil na Corte Americana de Direitos Humanos e a posição do Supremo Tribunal Federal: o caso Araguaia

por Angela Acosta Giovanini de Moura





 

 Três décadas após a vigência da Lei n° 6.683, promulgada pelo Presidente Figueiredo, em 28/08/79, durante a ditadura militar, conhecida popularmente como Lei de Anistia, a Ordem dos Advogados do Brasil questionou sua interpretação e abrangência no Supremo Tribunal Federal.
A ação, proposta em 2009, objetivava conhecer a abrangência da Lei da Anistia para casos de tortura e crimes comuns, cometidos por civis e agentes do Estado durante a ditadura militar (1964-1985). A relevância do questionamento formulado pelo órgão está vinculada a disposição constitucional de que o crime de tortura é imprescritível.
Todavia, menos de um ano depois da propositura da ação, o STF, por 7 votos a 2, decidiu arquiva-la, sob o argumento de que não cabia ao judiciário rever a lei.
Paralelamente a movimentação brasileira em torno da revisão da aludida lei, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, submeteu à Corte Americana de Direitos Humanos, uma demanda contra a República Federativa do Brasil, que se originou na petição apresentada, em 7 de agosto de 1995, pela ONG CEJIL e pela  Human Rights Watch/Americas, em nome de pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Araguaia e seus familiares.
Em 24 de novembro de 2010, seis meses após a decisão do STF que mandou arquivar a investida da OAB, sobre a lei de anistia, a Corte Americana de Direitos Humanos, condena o Brasil  a abertura de investigação dos crimes da ditadura brasileira (1964-1985).
A sentença de 126 laudas, disponível em[1]  http://www.corteidh.or.cr ,  conclui nos dois últimos parágrafos:-
“Finalmente é prudente lembrar que a jurisprudência, o costume e a doutrina internacionais consagram que nenhuma lei ou norma de direito interno, tais como as disposições acerca da anistia, as normas de prescrição e outras excludentes de punibilidade, deve impedir que um Estado cumpra a sua obrigação inalienável de punir os crimes de lesa-humanidade, por serem eles insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a humanidade.
     É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado, pois só assim se entrará em um novo período de respeito aos direitos da pessoa, contribuindo para acabar com o círculo de impunidade no Brasil. É preciso mostrar que a Justiça age de forma igualitária na punição de quem quer que pratique graves crimes contra a humanidade, de modo que a imperatividade do Direito e da Justiça sirvam sempre para mostrar que práticas tão cruéis e desumanas jamais podem se repetir, jamais serão esquecidas e a qualquer tempo serão punidas.”
Todavia, apesar do Brasil ser signatário da Convenção Americana dos Direitos Humanos ( pacto de São Jose da Costa Rica), e se comprometer a cumprir a decisão da Corte Americana dos Direitos Humanos ( artigo 68 da Convenção ), o STF tem se posicionado publicamente que não irá se submeter a decisão proferida.
Neste sentido “ o ministro Marco Aurélio enfatizou que o governo brasileiro está submetido ao julgamento do Supremo e não poderia, em qualquer hipótese, afrontar a decisão do STF para cumprir a sentença da Corte Interamericana. "É uma decisão que pode surtir efeito ao leigo no campo moral, mas não implica cassação da decisão do STF", disse. "Evidentemente que o governo brasileiro está submetido às instituições pátrias e às decisões do Supremo. E quando não prevalecer a decisão do Supremo, estaremos muito mal.[2]" Para Luiz Flávio Gomes, em artigo publicado no Jornal Carta Forense, edição do mês de maio, a manifestação do ministro é equivocada,  pois o “ Brasil é livre para firmar ou não tratados internacionais. Era livre para admitir ou não a jurisprudência da Corte. A partir do momento que um compromisso é assumido, deve ser cumprido. Pacta sunt servanda. A sentença da Corte reafirmou isso várias vezes. Portanto, o Brasil tem que cumpri-la. Sentença com trânsito em julgado não se discute, cumpre-se.”
Essa é a quarta vez que o Brasil é condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA em cinco processos a que foi submetido na Corte: além da Guerrilha do Araguaia, houve a condenação por causa da morte por maus-tratos do paciente de distúrbio mental Daniel Ximenes Lopes, ocorrida em 1999, no Ceará; por causa do grampo ilegal para espionagem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Paraná (também em 1999); e a morte do trabalhador rural Sétimo Garibaldi por 20 pistoleiros, no Paraná, em 1988.
Por fim, tendo do Brasil assinado a Convenção Americana em 22 de novembro de 1969, e depositado sua ratificação em 25 de setembro de 1992, o cumprimento dos preceitos firmados deve ser observado, mesmo ocorrendo a retificação após a promulgação da lei de a Anistia em 1979.  Referida obrigação decorre do Tratado de Viena, sobre o direito dos tratados, que impede a um país que tenha firmado um tratado, mesmo que não o tenha ratificado frustrar seu cumprimento. Assim sendo, posição do STF frente à decisão da Corte Americana se apresenta como verdadeira violação a Convenção, colocando o Brasil em situação politicamente delicada no cenário internacional.







[2](http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,stf-defende-lei-da-anistia-apos-decisao-sobre-araguaia,654094,0.htm)

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