domingo, 2 de agosto de 2009

Cárcere privado domiciliar


Artigo de autoria do professor Damásdio Evangelista de Jesus, retirado do jornal Jornal Carta Forense, quarta-feira, 1 de julho de 2009

A grande imprensa vem noticiando, nos últimos dias, que, em quatro Municípios paulistas, decisões judiciais têm imposto uma forma de "toque de recolher" a menores de idade, proibindo-os de saírem de suas casas, depois das 22 horas, desacompanhados de seus pais ou responsáveis.
Uma dessas cidades já há vários anos colocou em prática tal restrição, por decisão judicial. As outras três fizeram-no bem recentemente, por medida consensual adotada pelo Conselho Tutelar e pela Vara da Infância e Juventude. A divulgação desses fatos gerou polêmica nos meios de comunicação social.
As justificativas são evitar a criminalidade juvenil, o tráfico de drogas, o alcoolismo etc., fundamentando, à primeira vista, medidas nobres e muito simpáticas.
Sem embargo disso, sou contra.
Não é à força de proibições taxativas ou de leis draconianas, ainda que contenham exceções, que se combatem más tendências da população. Campanhas educativas, com favorecimento dos bons exemplos e desestímulo dos maus costumes, mostram-se eficazes. Nunca me canso de repetir isso.
Quem não se lembra da famigerada Lei Seca, que vigorou nos Estados Unidos durante alguns anos, na primeira metade do século passado? Qual foi seu efeito concreto? Fez com que o consumo de álcool caísse no país ou, pelo contrário, incentivou o contrabando e, indiretamente, favoreceu o vício e a criminalidade? A resposta é clara.
Além de inoperante, essa medida, imposta por autoridades judiciárias de primeira instância, é, data venia, inconstitucional. Ela fere, sem a menor dúvida, o direito de ir e vir, consagrado universalmente como direito fundamental do homem. Infringe a nossa Carta Magna e, ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Não é a primeira vez que afirmo: essa lei, ou medida, além de inconstitucional, não tem condições de ser executada. No caso, esse cárcere privado domiciliar tem meios de ser executado se não os temos para prevenir a criminalidade adulta? Quem estaria nas ruas, depois das 22 horas, à caça de menores andarilhos?
Cria, na prática, uma forma sui generis de cárcere privado domiciliar, à qual ficam a priori condenados todos os que ainda não completaram 18 anos.
As liberdades fundamentais da pessoa humana são por demais sagradas para ser expostas a risco. Elas foram uma conquista gradual de séculos de evolução das sociedades e não se pode renunciar a elas, ainda que para combater excessos, mesmo visando preservá-las.
Cuidado! Com fogo não se brinca, dizia-me minha vó Lili. É perigoso demais.
Essa a recomendação que, com todo o respeito pelos Magistrados que tomaram essas decisões, julgo-me no dever de fazer, com fundamento nas minhas frias madrugadas de estudo e nos meus longos dias de observação.
Toque de recolher, para quê? Afinal, não estamos em guerra! Parem de inventar!

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