Angela Acosta Giovanini de Moura
A
legislação florestal em vigor define reserva legal como uma área localizada no
interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação
permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação
e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao
abrigo e proteção de fauna e flora nativas. O Código Florestal, Lei 4771 de 15
de setembro de 1965, utilizando o critério regional estabeleceu percentuais
diferenciados para servir a reserva legal, sendo na Amazônia Legal: 80% para florestas,
35% para Cerrado; 20% para Campos Gerais; nas demais regiões do país: 20% para
qualquer tipo de vegetação.
Por
se apresentar como uma limitação ao desmatamento total da propriedade rural, a
supressão da vegetação na área de reserva legal é proibida, podendo apenas ser
utilizada sob regime de manejo florestal sustentado, mediante aprovação do
projeto pelo órgão ambiental competente.
Recentemente,
autoridades polícias e científicas travaram acirrada discussão em torno do
Projeto de Lei 1876/99, em tramitação na Câmara dos Deputados, que prevê a
alteração da atual legislação florestal, ante as disposições que trazem menor
proteção ambiental às áreas de preservação permanente e às áreas de reserva
legal. Quanto a reserva legal, destaca-se as alterações em relação à
compensação da reserva legal para as áreas que não possuem vegetação nativa, as
quais poderão ser compensadas por outra, desde que no mesmo bioma, afastando-se
o critério das bacias e microbacias pontuadas na atual legislação. O projeto
também introduziu o conceito de área rural consolidada, como sendo aquela que,
antropizada até a data de 22/07/2008, estaria desobrigada a recompor,
reconduzir ou compensar a área de reserva legal.
Aprovado
por maioria dos parlamentares naquela casa legislativa, o projeto de lei que
reforma a política florestal no país foi encaminhada ao Senado, PLC 30/11, e se
aprovado, as áreas de reserva legal que foram totalmente desmatadas para fins
de exploração econômica, até julho de 2008, estarão dispensadas de recuperação
dos seus passivos ambientais, desde que estejam dentro das medidas correspondentes a 4 modulos fiscais.
O
quadro agrário no Brasil estará dividido em dois: as propriedades que cumpriram
a lei e que continuarão a ter que cumprir; as propriedades que desrespeitaram a
legislação até julho de 2008 e, por isso, estarão dispensadas de observarem a
legislação ao florestal. Ou seja, a nova legislação somente terá aplicabilidade
aos proprietários de terras que sempre cumpriram a lei.
É
indiscutível que as mudanças já aprovadas pela Câmara Federal, e em discussão
no Senado, implicam em grave retrocesso porque ferem inúmeros princípios
constitucionais, resultantes de lutas sociais históricas.
O
Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (IPEA), no estudo CÓDIGO FLORESTAL:
IMPLICAÇÕES DO PL 1876/99 NAS ÁREAS DE RESERVA LEGAL, divulgado em 08 de junho
de 2011, considerou as propriedades rurais de até quatro módulos fiscais e
constatou que o total estimado isento de ser recuperado é de 29,6 milhões de
hectares, na Amazônia; mas se a isenção for ampliada para a fração de até quatro
módulos em todas as propriedades, então o passivo isento de restauração seria
de cerca de 48 milhões de hectares.
Em
relação à compensação, o atual Código Florestal permite seja locada em área
externa à propriedade, desde que esteja localizada na mesma bacia hidrográfica
ou microbacia, objetivando a proteção de espécies locais do bioma. A proposta
que está em discussão no Senado permite a compensação em áreas do mesmo bioma,
mesmo que esteja a quilômetros de distância, o que pode impor sério risco a
diversidade ecológica do local, porquanto há espécies diferenciadas e
características de determinada localidade, relacionadas à pluviometria,
fertilidade, tipos de solo e relevo.
Assim
sendo, importa reconhecer que a atividade legislativa que pretende diminuir a proteção
ambiental conferida pela legislação em vigor revela retrocesso jurídico,
atropelando princípios consagrados pela Constituição Federal e em Convenções Internacionais
em que o Brasil é signatário.
Aponta-se,
neste sentido, o princípio da precaução que veda as intervenções no meio
ambiente, quando houver dúvida ou ausência de estudos científicos capazes de
assegurar que determinada atividade importaria em dano ao meio ambiente.
Referentemente as áreas de reserva legal, a diminuição da proteção legal
conferida às mesmas poderá ensejar considerável desequilíbrio ecológico e
perdas de espécies florísticas, cuja importância medicinal a ciência ainda
desconhece.
A
introdução do conceito de área rural consolidada, no sistema jurídico, afronta
o Princípio da Responsabilidade do poluidor, pessoa física ou jurídica, que
deve responder por suas ações ou omissões em prejuízo do meio ambiente, ficando
sujeito a sanções cíveis, penais ou administrativas, conforme apregoado pelo §
3º do Art. 225 Constituição Federal.
Um dos maiores especialistas no mundo em
direito ambiental, Michel Prieur, professor emérito na Universidade de Limoges
(2004), França. Prêmio Elizabeth Haub e Medalha de Ouro do Direito do Meio
Ambiente da Universidade de Bruxelas, por ocasião de sua conferência no
Congresso Internacional, realizado na sede da Procuradoria da República, na
cidade de São Paulo/SP, em 01/09/2010, aponta o princípio do não retrocesso ecológico
para a salvaguarda da segurança jurídica em matéria ambiental. O não retrocesso
no Direito Internacional do Meio Ambiente, segundo o autor, revela uma visão
progressista – presente no Princípio 7 da Declaração do Rio – de conservação,
proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre.
Ressalta-se,
que o artigo 60, parágrafo 4 da Constituição Federal, estabelece que os
direitos e garantias individuais não podem ser abolidos, sendo certa a inclusão
do meio ambiente no rol dos direitos humanos. A importância do princípio da
vedação do retrocesso nessa seara visa impedir a perda de conquistas
consolidadas pela legislação ambiental, até porque em havendo enfraquecimento
da legislação, não será possível garantir às gerações futuras um ambiente menos
poluído e degradado.
Por
outro lado, as alterações ao Código Florestal Brasileiro, em trâmite no Senado,
estão na contramão dos compromissos internacionalmente assumidos pelo Brasil,
referente à diminuição do desmatamento, pois a impunidade dos responsáveis
pelos desmatamentos ocorridos até julho de 2008 importa na fragilização de
institutos basilares da política ambiental florestal. E, depois, como combater
o desmatamento e honrar os compromissos assumidos perante a comunidade
internacional e perante a ordem interna, com dois pesos e duas medidas?
Conclui-se,
pois, que as medidas de flexibilização previstas no projeto de lei que altera o
código florestal ferem princípios constitucionais consolidados, acenando com a
possibilidade de ser alvo de ações direta de inconstitucionalidade, tão logo
entre em vigor, com o propósito de ser reestabelecida a ordem jurídica,
ameaçada pela transposição dos limites da função legislativa na regulação do
direito fundamental ao meio ambiente.
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